segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O branco da vida


Envelhecer precocemente é um acto de irreverência para com o próprio tempo, é desafiar os ponteiros do relógio, de forma voluntária ou não,  para uma corrida contra o tempo: quem me leva primeiro a morte, tu ou eu?  Tirando os casos de doença as vezes invejo os que se rebelam contra ele em nome de grandes prazeres- É preciso saber morrer, saber fazer do tempo seu criado, fazer dele o que quisermos, domina-lo. Escolher se queremos morrer com o pó do tempo ou o pó da vida. Entretanto, tal um como outro exigem as suas manhas quando se trata de ludibriar os ponteiros, por exemplo, a mentira tem grande utilidade para elevar a auto-estima e para manter crédulos e "fieis" os mais inocentes quando se opta pelo pó do tempo.

E passo a contar um caso:
Enquanto o meu filho mergulhava profundamente os olhos nos meus espessos cabelos eu adivinhava a pergunta seguinte, e claro acertei: "Mãe, estás a ficar velha??" Mas os meus cabelos brancos também não surgem a toa, enquanto ele se concentrava na pergunta eu me concentrava na resposta: "Não meu filho, é charme." Charme para os inocentes, mas não burros, pelo que entendi, deve equivaler a dizer: "O pai natal traz-te um tablet se não bateres os meninos na escola", pois muito desconfiado ele perguntou: "O que é charme mãe?" E eu toda empertigada com o pescoço mais alto do que uma girafa, a postura de uma gazela e o olhar de um felino respondi embrulhando-o em manto de palavras desconexas e gaguejei: "Charme é quando uma pessoa, é assim, assim... sabes, linda..." E o pequeno com o olhar mais cheio de pó do tempo do que os meus respondeu: "Mãe, está a mentir, não é?" E caímos dos dois, cúmplices, numa gargalhada boa.

Pronto, escolhi tossir o resto da vida com o pó do tempo, mas descubro a cada dia que a mentira é como um xarope para me aliviar dos escarros...




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