quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O "auto-coitadismo" da FRELIMO

Quando os homens armados da RENAMO se estenderam para a província de Inhambane o Governo fez saber, através da imprensa, que criou campos para os deslocados de guerra, ou se preferirem, dos confrontos. Tal como fez saber que o Governo japonês disponibilozou ajuda financeira para as vítimas. Essas são as primeiras demonstrações mais sérias e gritantes de uma falsa auto-comiseração que o Governo da FRELIMO está a fazer. Isso pode significar que anteriores táticas para "demonizar" a RENAMO fracassaram. Por exemplo, o exército é totalmente incapaz de fazer frente aos experientes guerrilheiros da RENAMO, e na mesa de negociações o Governo, que sempre rejeitou a presença de mediadores, mudou de ideia. Também uma tentativa de transportar o conceito de "bandido armado" da guerra civil dos 16 anos para esta guerra não surtiu efeito. Mas desse tempo ainda tenta recuperar a estratégia de auto-vitimização, com as mais recentes ajudas as vítimas. Parece-me que a lição recebida durante a caça ao voto nas últimas eleições autárquicas não surtiu efeito, permanecer na cegueira parece ser o lema da FRELIMO. Mas a  cabeça dos moçambicanos não congelou.

Esticar a corda
Os recentes avanços Centro e Sul parecem-me ser o "As" da perdiz, ela ameaça as zonas estrategicamente económicas de Moatize, em Tete. A presença dos seus homens lá representa uma ameaça para os investimentos das multinacionais mineiras e intimida potenciais investidores. Já para o avanço para o Sul significa uma ameaça ao centro decisório do Governo, a capital Maputo. Essa parece-me um resposta ao "congelamento" da resposta do Governo da FRELIMO sobre a composição da equipa de mediadores na crise. Aliás, está atitude reflete, pelo menos publicamente, a política do contraditório. É que ao mesmo tempo o Governo insiste no discurso vazio de que está aberto ao diálogo. Com o evidente esticar da corda o mais previsil era o seu rebentamento.


Atestado de intransigência
Foi o que Joaquim Chissano passou a Armando Guebuza no contexto da crise ao oferecer-se para mediar a crise. Recorde-se que o ex-presidente moçambicano esteve envolvido no processo que culminou com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz de 1992, que pos fim a uma guerra de 16 anos entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO. Na minha opinião até a tese de que Guebuza catapultou o país em termos económicos torna-se insignificante face a sua falta de savoir faire na mesa de diálogo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

"Monstro Sagrado" fala do "Pantera Negra"

E com a morte do futebolista  Eusébio Ferreira, os que conheceram bem o seu percurso lembram-se de Mário Coluna, outro grande futebolista moçambicano de renome internacional. Jogou igualmente no Benfica de Portugal e foi pela mão deste que o "Pantera Negra" se estabeleceu e integrou em Lisboa a quando da sua chegada. Entrevistei para a DW África Mário Coluna, agora com 80 anos, pedindo-lhe para nos falar sobre a obra de Eusébio e da relação entre eles:

Mário Coluna (MC): O trabalho que fez foi óptimo, portanto não poderia ter sido melhor, pelo que fez pelo Benfica e pela própria selecção portuguesa de futebol. Portanto, que Deus tenha a alma dele em paz.

Nádia Issufo (NI): E em termos de reconhecimento em relação ao trabalho que ele fez, no caso em particular de Moçambique, o que o senhor tem  a dizer?

MC: Ele foi reconhecido, fez-se aqui a homenagem dos silêncios, silêncios, silêncios. Portanto, Eusébio era moçambicano, faleceu moçambicano e o Governo reconhece isso.

NI: Acha que o Governo devia ter feito mais alguma coisa por ele?

MC: Eu acho que fez, se há mais alguém que tinha que fazer era precisamente o Governo português, porque foi ai que ele deu tudo por tudo pelo desporto português.

NI: Também sabe-se que Eusébio, tal como Mário Coluna, investiram as poupanças que foram colectando ao longo da vida em edifícios em Moçambique que depois foram nacionalizados pelo Governo da FRELIMO. A sociedade acha que o Governo vos devia ter devolvido. O que tem a dizer?

MC: A minha opinião é essa mesmo, porque foi um dinheiro que se ganhou fora para se valorizar o nosso país Moçambique. Entretanto, o Governo quis saber porque voltei a Moçambique e eu perguntei: afinal onde nasci? Eu nasci aqui. Pensei em voltar e valorizar o meu país e mais nada. Mas a opinião deles é de que na  política deles não há exploração de homem pelo homem, então contra isso não há argumentos.

NI: Então o Governo nunca manifestou interesse em devolver esses edifícios, ou substitui-los por outros?

MC: Até aqui não, eu vivo numa casa que tive de comprar ao próprio Estado.

NI: Senhor Mário Coluna, pode nos falar sobre a sua relação com Eusébio Ferreira?

MC: Era como se fosse meu filho. Quando ele vai para Portugal levava uma carta da mãe para mim a pedir que eu tomasse conta dele porque em Portugal não tinha conhecidos. E no aeroporto o Eusébio entregou-em a carta, eu abri e li e depois dei-lhe para ler e depois perguntei o que dizia, e ele disse que a mãe pede para o senhor Coluna tomar conta de mim porque aqui em Portugal não conhecemos ninguém. E pronto, eu orientei-o com o dinheiro no banco, para o alfaiate, tudo era comigo. O dinheiro do transporte, do lanche era tudo comigo. Portanto, houve sempre respeito para comigo. No casamento dele eu fui um dos padrinhos por parte da mulher, e da parte dele foi o presidente do Benfica na altura.

NI: E nos últimos tempos como era a vossa relação?

MC: Sim senhora. Todos os anos o Benfica convidava-me para o anivesrário do clube, e juntavámo-nos todos, portanto estava com ele e íamos a um restaurante chamado Tia Matilde, onde nós os benfiquistas íamos. Sempre houve boas relaçõe.

Escute aqui a entrevista: http://www.dw.de/7-de-janeiro-de-2014-manhã/a-17344729



sábado, 4 de janeiro de 2014

Políticas desfasadas continuarão a prejudicar população angolana em 2014

Em Angola 2014 começa com as mesmas dificuldades sociais: difícil acesso a água potável, a energia eléctrica, aos serviços de saúde e educação. E as opiniões sobre a melhoria das condições de vida da população estão divididas, enquanto uns preferem dar o seu votos de confiança ao trabalho do Governo, outros não, por considerarem as suas políticas de desenvolvimento desfasadas. Entrevistei para a DW África o analista político e docente da Universidade católica de Angola, Nelson Pestana:



Nádia Issufo (NI): Espera alguma melhoria nas condições de vida das populações na área social?

Nelson Pestana (NP): Temos de reconhecer que haverá mais infraestruturas, no sentido de criar maiores capacidades de produção, quer de energia quer de água para as populações por isso haverá seguramente mais infraestruturas. Também haverá mais pessoas a acederem a água potável. Só que os ritmos demográficos desses sectores não acompanham os ritmos demográficos do país e por isso vai haver sempre um défice em relação ao acesso à água potável e em relação ao acesso à energia eléctrica. Em relação a saúde a situação não melhorou na medida em que o plano de desenvolvimento do sector está ferido de dois problemas: o primeiro é que diminuiu a parcela do Orçamento de Estado para a saúde, e o segundo é que o dinheiro está destinado aos grandes hospitais, quando os problemas estão nas pequenas unidades sanitárias. Na educação acontece um pouco a mesma coisa, reduziu-se a fatia para a educação e há uma inversão de investimento. O problema da educação está sobretudo na instrução primária de má qualidade, e principalmente no secundário, mas o Governo está a priorizar o ensino universitário.Agora, que tipo de quadros se vão formar? ninguém sabe dar a resposta. Antevemos que serão quadros de má qualidade e que não estarão à altura de competir para os empregos de qualidade que o crescimento económico vai criar.

NI: Então com base na sua explicação pode-se concluir que há uma desfasamento entre as políticas de desenvolvimento e as necessidades da população?

NP: Sem duvida nenhuma, porque as políticas de desenvolvimento são ditadas de cima para baixo segundo os interesses daqueles que têm o poder. Aliás, o grande objectivo estratégico definido pelo Presidente no discurso sobre o Estado da Nação, e que tem repetido em outras intervenções, é dotar de uma grande riqueza um grupo restrito que possa vir a ser a locomotiva do desenvolvimento, e essa política já dura há 15 anos. E agora o Presidente da República diz que quer ser muito rico e é por isso que o país faça agora mais uma vez um esforço no sentido que ele chama de acumulação primitiva nesse pequeno grupo, que tem o próprio Presidente a cabeça, para que seja então a locomotiva do desenvolvimento. Ele chama a isso de um período de transição, só que estamos num período de transição há mais de 15 anos. E o que assistimos é que quanto mais ricos eles ficam, mais investem lá fora, não investem no país. Não temos uma classe uma classe industrial quando há muitos ricos.

NI: Então, no final podemos prever que a população vai continua a viver em más condições?

NP: Vai continua a viver nos musseques, ou nas casas de baixa qualidade que estão a construir, com baixas condições de vida, muitas delas sem saneamento, com falta de acesso a água potável, ou com acesso por chafariz, o que significa que a população tem de se deslocar kilometros ou mesmo metros para se abastecerem de água. Por isso terão um abastecimento de água muito limitado que vai condicionar a saúde pública, a libertação da mulher e das crianças para o desenvolvimento.

NI: Falar na continuidade das manifestações em 2014 contra o Governo é uma certeza?

NP: Com certeza. Está na linha directa disso. As lutas trabalhistas vão se agravar, porque os trabalhadores estão descontentes e vão retomar essa luta ao logo de 2014. Por outro lado, como as questões estão interligadas, a questão social não está separada da questão económica, a económica não está separada da política, continuamos a ter um sistema autoritário, que é unanimemente recusado por toda a nação, por isso as reivindicações de liberdade e bem estar e de uma nova estrutura de oportunidades vão continuar e vão tomar as mais diversas formas de luta.

Escute e leia mais sobre o assunto em: http://www.dw.de/população-angolana-continuará-com-os-mesmos-problemas-sociais-em-2014/a-17340434