segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A negociação não é a solução para Angola

O livro“Quando a Guerra é Necessária e Urgente" está novamente a venda em Angola desde sábado último. Recorde-se que um artigo com o mesmo título, também do autor de Domingos Cruz foi contestado pelo Governo do MPLA em 2009, custando-lhe um processo judicial. A sessão de vendas e assinaturas de autógrafos será na portaria da Rádio Despertar, em Luanda, onde estarão igualmente disponíveis os últimos livros do autor, “A liberdade de imprensa em Angola: Obstáculos e desafios no Processo de Democratização" e “Ética Educativa à Luz da Racionalidade Comunicativa”. Domingos Cruz é também jornalista e professor universitário. Entrevistei-o para a DW África sobre as suas publicações e não só:




Nádia Issufo(NI): Não teme ser alvo de mais um processo judicial pela reedição do livro?
Domingos Cruz (DC): Como deve calcular, não há da minha parte qualquer receio porque eu tenho plena consciência de que me encontro única e exclusivamente no uso dos mais básicos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, que se manifesta nos média, na escrita, arte e na investigação científica. Não estou a cometer nenhum crime, nenhum desvio de carácter moral... Não há motivos para ter medo. Estou tranquilo. O que estou a fazer é bastante normal.

NI: Como é que ficou o processo judicial instaurado contra si em 2009?
DC: O processo decorreu dentro dos trâmites normais e graças à pressão da sociedade civil e dos média. Tanto no plano interno como internacional, houve pressões junto do poder político e das estruturas judiciais que na verdade estão submissas à orientação do poder político em Angola, porque não são suficientemente independentes e não são dignas de uma sociedade democrática. Pela insustentabilidade da acusação do Ministério Público, viram-se na obrigação de arquivar o processo.

NI: De acordo com a sua experiência, como é que o regime de Angola lida com os escritores críticos?


DC: Angola, sendo um Estado autoritário de acordo com as mais variadas classificações por intermédio de estudiosos e organizações internacionais, tem agido de uma maneira coerente, ou seja, não tolera. A minha experiência tem o seguinte marco dramático e doloroso: quando eu publiquei o meu primeiro livro, em 2008, intitulado “Para onde vai Angola?”, fui expulso do trabalho sob orientação do partido no poder, o segundo livro foi inviabilizado de chegar às livrarias, foi proibido e inclusivamente encerraram o local de lançamento. Refiro-me à obra “Quando a Guerra é Necessária e Urgente”. E, claro, abriram um processo judicial.

NI: Um dos seus últimos livros é “A Liberdade de Imprensa em Angola: Obstáculos e Desafios no Processo de Democratização”. Que soluções apresenta para os problemas que constata?

  DC: Neste livro, insurjo-me contra as chamadas teorias liberais da democracia, olhando para o aspeto da liberdade de imprensa. De acordo com a teoria da liberal da democracia, a imprensa é um fator fundamental para o aprofundamento de uma democracia. Eu subscrevo completamente tal tese, mas entendo que os liberais ocidentais sobre a liberdade de imprensa e a democracia estão equivocados. Acho que os média podem ser um instrumento de democratização, mas podem também ser um instrumento de fortalecimento de Estados autoritários e da tirania.
Portanto, os média são uma faca de dois gumes. É isto que os teóricos ocidentais não perceberam. Depois de ter denunciado este erro metodológico da teoria liberal da democracia sobre a imprensa, eu demonstro o caso angolano como sendo o paradigma acabado no qual a imprensa não é um instrumento para o fortalecimento da democracia.


NI: Não inclui como opção a via negocial ou a via democrática, por exemplo, através de eleições transparentes e justas?

DC: Não, não, não. É impossível haver eleições transparentes e justas porque não temos um sistema eleitoral capaz de traduzir a verdade eleitoral. Temos um sistema que inviabiliza qualquer possibilidade da verdade eleitoral, temos uma máquina eleitoral absolutamente fraudulenta e corrupta sob o controlo do grupo dominante. É por isso que tenho dito, por exemplo, que falar de alternância em Angola é um erro de análise e uma idiotice completa. E digo isso porque o regime tem muitos interesses instalados e por isso inviabilizam qualquer possibilidade de alternância. Aliás, a prática política mostra isso, que é um autêntico maquiavelismo ao estilo contemporâneo. Tem havido esforços da sociedade civil para uma sociedade de plena liberdade, mas num sector muito restrito e de alguns partidos da oposição que de vez em quando denunciam os comportamentos erráticos dos meios de comunicação social sob o controlo do poder hegemónico, mas isso não é suficiente para alterar o estado de coisas que se encontra numa podridão generalizada.  Eu entendo que o caminho efectivo é a Líbia, o Egipto e a Tunísia, e quando a senhora me pergunta sobre uma via negocial eu digo que é impossível por uma razão bastante simples, você só pode dialogar quando existe equilíbrio na correlação de forças, e aqui há um desiquilíbrio absoluto que dificulta que o grupo hegemónico esteja aberto a dialogar. Eles sabem que dos mais variados campos há uma fragilidade mais ou menos generalizada, eles controlam tudo e portanto podem esmagar tudo e todos e não tem qualquer necessidade de dialogar, por isso mesmo nem o diálogo se aplica a situação de Angola.


Escute parte da entrevista em:  http://www.dw.de/livro-proibido-de-domingos-cruz-volta-a-estar-à-venda-em-angola/a-17314520

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Guebuza após 2014


Armando Guebuza é também conhecido como um grande homem de negócios, para além de ser Presidente de Moçambique. A sua ascensão económica é associada ao poder político, que por sua vez podem acabar ou continuar consoante as escolhas do seu sucessor que o seu partido, a FRELIMO, fizer em breve.Entrevistei para a DW África Salomão Moyana, Director do semanário moçambicano Magazine Independente:




Nádia Issufo (NI): Será que o partido FRELIMO continuará nas "mãos" de Armando Guebuza?

Salomão Moyana (SM): Depende de vários factores que devem ser considerados, um deles é sobretudo quem será o Presidente da República. Se for um dos candidatos apresentado na semana passada, quer dizer que Armando Guebuza poderá reter o poder na presidência do partido e continuar mais ou menos o futuro Presidente da República a trabalhar na actual linha de governação do país.

NI: Estamos a falar numa espécie de Delfim de Armando Guebuza?

SM: Os três pré-candidatos apontados são claramente os Delfins de Guebuza. São pessoas que chegaram ao poder pela mão dele, aos cargos ministeriais pela mão dele, dois deles estão na comissão política da FRELIMO claramente pela mão dele. Portanto, não serão eles as pessoas com capital simbólico próprio capazes de seguir uma outra linha política, que seja diferente da linha de Guebuza.

NI: Fala de figuras com aceitação, e também com alguma experiência, ai entraria, por exemplo, a ala de Joaquim Chissano com quadros experientes. Acha que esse será o momento em que a cisão entre as alas ficará mais visível?

SM: Não acredito nessa posição. Não acho que se entrarem outros quadros está a entrar a ala Chissano. Penso que praticamente não existe ala Chissano em Moçambique, existem outras partes que gostariam de ver o país melhor encaminhado depois após a era Guebuza. Ele foi um Presidente exemplar e bastante combativo, muito trabalhador, e muito empenhado. Agora o risco é que a sua saída crie uma espécie de definhamento da liderança do país.



NI: Vê a possibilidade de um dos supostos Delfins a ser escolhido vir a rebelar-se aos ideiais de Guebuza?

SM: Não estou a espera de nenhuma catástrofe para Moçambique, espero uma transição pacifica em que mesmo que as coisas não sejam funcionais, penso que oportunamente a FRELIMO encontrará uma solução que não será necessariamente uma rebelião, mas que se compatibilize a agenda para que haja uma continuidade do país de maneira segura e pacifica.

Escute e leia mais sobre o assunto em: http://www.dw.de/o-papel-político-do-presidente-guebuza-depois-das-próximas-eleições-em-moçambique/a-17306362

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Forbes e ZAP, a parceria do contraditório

Depois de ter considerado Isabel dos Santos como a mulher mais rica de África em 2012, agora a Forbes associa-se a uma das suas empresas, a ZAP, para editar a sua revista em Português para África em 2014. Mas antes disso a prestigiada revista de negócios norte-americana publicou um artigo em conjunto com o ativista angolano dos direitos humanos Rafael Marques sobre a origem duvidosa da sua fortuna. Entrevistei para a DW África o activista angolano sobre a parceria comercial:



Nádia Issufo (NI): Como vê esta espécie de contradição entre a eleição pela Forbes de Isabel do Santos como uma das pessoas mais ricas de África em 2012 e em 2013 exactamente uma das suas empresas fazer uma parceira para a publicação da revista em Português para África?

Rafael Marques (RM): Primeiro é preciso analisar se a publicação da revista pela empresa dela obedece a critérios comerciais racionais, ou tem um aspecto meramente político. Porque se for do ponto de vista comercial vemos que não se justifica pela pluralidade que existem, quer em Angola, quer em Portugal, e que carecem de intervenções financeiras.

NI: Acha que depois desta parceria a imagem da Forbes perde credibilidade?

RM: A Forbes só perceberá, eventualmente, se não estiver apenas interessada no dinheiro, que o seu nome só será usado para propaganda e branqueamento da imagem de uma série de indivíduos corruptos no espaço lusófono, porque a Isabel dos Santos passará a ter o controlo editorial da maior parte dos conteúdos da Forbes para África...

NI: Se grande parte da media privada angolana já foi comprada por gente próxima ao poder, e agora esta parceria, pode-se afirmar que a media angolana está é manipulada?

RM: É também para facilitar, por exemplo, a Isabel dos Santos tem também negócios em Moçambique no sector das telecomunicações, a ZAP está representada em Moçambique, então facilitar que através das sua revista a família Guebuza tenha também espaço para passar os seus negócios como legítimos. E outros corruptos, quer no espaço lusófono, quer em África. Porque é apenas usar o nome da revista, que tem prestigio internacional, para lavar a imagem destas figuras, e quando não tiver serventia certamente que esta parceria será abandonada, porque não é uma revista que terá viabilidade comercial.

NI: Podemos afirmar que uma empresa como a Forbes pactua com a corrupção?

RM: Mas é claro! O dinheiro de Angola não tem cor, é bom para todos. E nesse caso a Forbes, a está a compactuar sem dúvida absolutamente nenhuma, está a fazer parte do esquema de corrupção em Angola.

NI: Então não há gente limpa, como alguns países ocidentais que criticam Angola mas tem as suas empresas a compactuarem...

RM: Mas a crítica maior a corrupção tem sido feita pelos angolanos que são os mais afectados, e nisso tem havido denuncias constantes da participação de estrangeiros no saque, porque não é possível biliões e biliões de dólares serem desviados de Angola todos os anos sem o apoio dos bancos, advogados e Governos estrangeiros.

Leia e escute mais sobre o assunto em: http://www.dw.de/isabel-dos-santos-lança-edição-da-forbes-para-palop/a-17300787

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Os pré-candidatos da FRELIMO ou de um ideal falacioso?





A escolha de José Pacheco, de Sofala, Filipe Nyusse, de Cabo Delgado, e Alberto Vaquina, de Nampula, como pré-candidatos da FRELIMO ao cargo de líder do partido e também da presidência da República de Moçambique mostram-me algumas coisas:

Recuperar o eleitorado das autárquicas
Entre elas, na minha opinião, os candidatos da "unidade nacional" são a cartada final de Armando Guebuza para recuperar um eleitorado que insatisfeito com o seu partido e a sua governação optou pelo o que se pode considerar em certa medida como o "voto do castigo". Se alguns alguns escolheram o MDM por acreditarem nele, outros votaram no partido para demonstrar revolta e saturação em relação a FRELIMO. É preciso ter isso em conta e, ao que tudo indica, o "voto do castigo" tem a resposta em forma de bálsamo: a inclusão geográfica ou étnica ao nível mais alto de decisão. Isso mostra também que Armando Guebuza, ou o seu partido, conhece as fraquezas do eleitorado e pode estar a jogar com elas, ou se preferirmos pensar de forma menos "perversa" leva mesmo a sério a governação inclusiva ao escolher o candidato da "unidade nacional".

Unidade nacional, uma falácia?
Estas hipóteses levam-me a interrogar até que ponto foi e é exequível o conceito de unidade nacional considerando o contexto moçambicano. Onde e até que momento isso deu certo? Para quem isso nunca representou nada? Ou até, será que todos conhecem o conceito? Se existe voto étnico, então a unidade nacional, tão propalada após a independência, não foi exactamente "um caso de sucesso". A "inclusão geográfica" na escolha dos pré-candidatos evidenciam uma tentativa de acalmar os que se consideram marginalizados. Estará Guebuza, nesse sentido, a dar continuidade a um ideal de Samora Machel? Ou será mesmo uma manipulação da fraqueza popular? Um professor meu disse-me: "É preciso aceitar a unidade nacional na diversidade."


O Delfim a controlo remoto
Claro que não é de se excluir a hipótese destas escolhas virem a representar a continuidade indirecta de Guebuza na presidência da República. Pelo menos o visto como favorito a candidato, José Pacheco, parece ter a mesma escola que a de Armando Guebuza, é frio e de pouco contacto. Também é este que tem a confiança do Presidente na gestão da crise mais feia dos últimos anos com a RENAMO. A consumar-se esta suspeita continua a ficar difícil a vida para os insatisfeitos dentro da FRELIMO, tais como os ex-governantes da era em que Joaquim Chissano era Presidente, e outros mais antigos.


"Deselitisar" a FRELIMO
Desde que o país ficou independente em 1975 foi governando na sua maioria pelos considerados históricos da FRELIMO, que incluem principalmente os nacionalistas, intelectuais e também alguns antigos combatentes. A subida de Armando Guebuza para a presidência em 2004 representou um corte radical com esta prática. Ele foi buscar "anónimos" ou os menos visíveis da formação. Acho que foi o primeiro sinal de "mudança" na FRELIMO, ao dar oportunidades a outros membros. Claro que há a questão da competência como requisito para governar, aliás um requisito fundamental, mas não pretendo aprofundar-me nele. Entretanto o que se viu em abundância no primeiro Governo de Guebuza foram as trocas das suas peças de xadrez governativo.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Escolha de apenas apresentadores brancos põe em xeque slogans da FIFA

No Brasil a escolha de dois apresentadores brancos para o mundial de futebol de 2014, em detrimento de outros negros no sorteio, causam polémica. O Ministério Público já abriu um processo para verificar se houve realmente crime de racismo. Entretanto, a FIFA, que fez as escolhas, nega que a selecção de Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert tenha sido feita com base em critérios rácicos. Entretanto, este organismo tem pautado por slogns de combate ao racismo nas últimas competições futebolísticas. Para Aldo Fonaziri, cientista político da Fundação e Escola de Sociologia e Política de São Paulo no Brasil, a polémica coloca em xeque o lema da FIFA. Entrevistei-o paraa DW:



Nádia Issufo (NI): Para si, esta escolha foi baseada em questões rácicas ou de competência profissional?

Aldo Fonaziri (AF): Entendo que os outros candidatos tem competência profissional. Acho que num país que tem maioria de afro-descendentes como é o Brasil, seria conveniente que tivesse uma pessoas negra na apresentação. Seria uma medida de bom senso perante ao mundo colocar uma pessoa negra e outra branca, porque o Brasil multiétnico e essa característica não se explicita principalmente em eventos oficiais. Então, pode ter havido racismo de facto, mas a questão precisa de ser melhor esclarecida. Independentemente disso, há o mito da democracia racial que não é verdadeira, e esse mito vem sendo construído desde o início do séc. XX. Mas se olharmos para os indicadores sociais do Brasil percebemos que há um vazio.

NI: Como o ser disse, o Brasil é um país racista, é considerado um dos países mais racistas do mundo. Este caso dos apresentadores pode ser um pretexto para que se traga ao de cima o assunto e ajudar a por fim ao racismo?

AF: Não acho que seja um pretexto, na verdade houve um erro, foram colocadas duas pessoas brancas, loiras quase do tipo germânicas. Então, o racismo existe mesmo, se olharmos para o que acontece com os jovens da periferia vemos que são os negros que morrem por ataques da polícia, há uma discriminação no emprego. há uma discriminação de género para com as mulheres negras, enfim, a sociedade brasileira é impregnada de racismo.

NI: Um dos slogans da FIFA das últimas competições é exactamente o combate ao racismo. Esta escolha dos apresentadores bate com o slogan?

AF: Acho que ela coloca em xeque essa política da FIFA, porque se a FIFA e os organizadores do evento do sorteio da copa do mundo tivessem tido o mínimo de cuidado, eles teriam escolhido duas pessoas diferentes. Então, no mínimo dá para dizer que houve um enorme descuido, que do meu ponto de vista, subjacente e explicito ao racismo.

NI: Noutros aspectos do mundial de futebol foi tomada em conta a inclusão dos negros?

AF: Nos convidados aparentemente sim, agora em outros aspectos, por exemplo, há agora toda uma crítica muito forte sobre o legado que a copa do mundo vai deixar. E nesse sentido, acho que quando ao legado não houve um cuidado para que essa questão da discriminação que as pessoas negras e pobres e afro descendentes sofrem no Brasil, esses cuidados não foram tomados. Aparentemente não há um legado explicito em torno dessa questão do racismo. Era uma oportunidade histórica para que se tomasse essa iniciativa dada a grande visibilidade pública que a copa tem, e então vemos uma omissão das autoridades.

Escute a entrevista em: http://www.dw.de/6-de-dezembro-de-2013-manhã/a-17274969

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

William Tonet culpa Presidente angolano pelo que lhe pode acontecer


 Em Angola o jornalista e jurista William Tonet escreveu uma carta aberta ao Preseidente José Eduardo dos Santos, onde o agradece pela maldade e perseguição a que está sujeito. Na missiva Tonet tece duras críticas ao Governo do MPLA, no que diz respeito, por exemplo, a actuação do ministério do ensino superior que invalidou o seu certificado académico, da ostracização de que é alvo o seu jornal Folha 8 por não se deixar vender, e o impedimento de exercer a função de advogado de defesa em pleno processo. A este propósito entrevistei Tonet para a DW:


Nádia Issufo (NI): Porque escreveu esta carta?

William Tonet (WT): Em democracia, é normal quando os cidadãos não têm outro recurso para chegar aos centros de decisão, publicitarem uma carta que poderia ser fechada. Mas acontece um conjunto de situações anormais, de perseguições que não lembram nem ao diabo. Portanto, em princípio podendo parecer atitudes isoladas de alguns governantes que querem mostrar serviço, a forma recorrente e quase mensal de campanhas contra William Tonet não pode passar, no atual quadro constitucional, à margem do Presidente da República, até porque todos os membros do seu gabinete são meros auxiliares. Logo, ele está por trás de tudo isso.

NI: Há ilegalidades e irregularidades cometidas pelo governo do MPLA, como cita na sua carta aberta. Há possibilidade de as mesmas serem executadas sem o conhecimento ou aval do Presidente?

WT: À luz da Constituição, é muito difícil. Penso que o Presidente, ao nível do MPLA, tem competências das quais se podia acercar, tem pessoas que não precisam de o bajular para mostrar competência e fidelidade ideológica. O problema é que queremos fazer um país só com bajuladores. E este é que é o grande problema de Angola. E o que se passa em relação à minha pessoa é, de facto, uma perseguição para a qual não vejo razão de ser e o único responsável é o Presidente da República.
 
NI: E porque é que acha que o Presidente da República o quer “aniquilar”?

WT: São todas estas evidências. Ao nível da Constituição, é ele que nomeia tudo. Ao nível do Governo, é ele que nomeia tudo. Não é possível que o Governo, que tem reuniões regulares, consiga perseguir, quer ao nível do Executivo, quer ao nível do partido, um cidadão como William Tonet, porque eu quero continuar a pensar pela minha cabeça. O Presidente não é alheio a toda essa perseguição e não o será a um eventual assassinato da minha pessoa e essa é a minha mais forte convicção.

NI: Queixa-se do isolamento a que o Folha 8 está submetido, da anulação dos seus certificados académicos, da vandalização dos seus bens. Como é que consegue viver e trabalhar dentro deste contexto?

WT: As revoluções fizeram-se sempre em contextos diferenciados. Em processos em que havia discriminação, a humilhação de uns sobre outros. Sobrevivemos assim porque temos também a solidariedade de algumas pessoas que, efetivamente, não estão de acordo com esse tipo de práticas que estão a macular o nosso país. O nosso exercício não é fácil, mas temos a plena convicção: se todos nos ajoelharmos perante as injustiças, estaremos cada vez mais a cavar um fosso que nos levará de novo a uma guerra fratricida. Temos de fazer alguma coisa, continuar a resistir, esperar pela bala assassina, mas de pé, na verticalidade dos nossos ideiais.
 
NI: O que espera com esta carta que dirigiu ao Presidente? Mudanças? Ou trata-se de gesto de revolta, de desabafo, no contexto da liberdade de expressão?

WT: Eu gostava que nós todos, incluindo o Presidente, refletíssemos. É possível que todos estejamos a cometer excessos, de alguma forma. Mas que é preciso diálogo entre os angolanos, isso é certo. Que há um mal-estar, uma insegurança do regime, isso também é verdade. Se não, o regime não compraria todos os órgãos de comunicação social.

Escute a entrevista em: http://www.dw.de/william-tonet-presidente-não-seria-alheio-a-um-eventual-assassinato-da-minha-pessoa/a-17274239 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Acidente da LAM não se encaixa nas proibições impostas a Moçambique

O acidente de aviação que matou 33 pessoas da companhia aérea moçambicana LAM deve ser dissociado da interdição das companhias moçambicanas de voarem no espaço europeu, defende Alves Gomes, especialista em aviação civil. Entrevistei-o para a DW África no passado dia 2 sobre o assunto. Entenda melhor a poibição europeia e o funcionamento da aviação civil:

Nádia Issufo (NI): O acidente aéreo de 29 de Novembro pode ser visto de forma associada a proibição as companhias moçambicanas de voarem no espaço europeu?

Alves Gomes (AG): Penso que não porque a questão da proibição tem a ver com os incumprimentos das recomendações do ICAO (International Civil Aviation Organization) para a aviação civil de Moçambique. E neste momento a aviação civil está a fazer um trabalho com a União Europeia (UE) e ICAO para reverter essa situação. Portanto, essa é uma situação de legislação e não de operação.

NI: Não tem nada a ver com questões de segurança?

AG: Não se pode dizer que não tem a ver com questões de segurança. As exigências feitas a aviação civil moçambicana estavam a quem das normadas pela ICAO e pela União Europeia. Portanto, a partir dai coloca-se em questão se todos os operadores nacionais cumprem a risca o que é exigido internacionalmente. Não é o caso de vários operadores, mas porque a aviação civil não tinha essa legislação em vigor a UE decidiu que até lá deveria colocar Moçambique na lista negra. Mas esta é uma questão que não é muito bem explicada, porque não se pode dizer que as Linas Aéreas de Moçambique (LAM) não tenham uma manutenção como deve ser, é uma questão de legislação, ou seja do regulador e não do operador.

NI: A aviação civil já tinha registado progressos segundo o último relatório de Julho passado. Na sua opinião, as exigências dos 28 são justificáveis?

AG: De facto o próprio produtor da aeronave, a Embraer, caso a LAM não tivesse uma manutenção consoante as exigências do fabricante, eles não permitiriam que as suas aeronaves voassem em nome da LAM porque o próprio fabricante se preocupa com o bom nome das suas aeronaves. No cumprimento dos checks diários A, B, C, D, que são as revisões que tem de ser feitas consoante o número de horas e o desgaste da aeronave.

NI: Pode explicar-me melhor a sobreposição errada que se faz entre o regulador e o operador?

AG: Em todos os países há o regulador que normalmente se chama autoridade aeronáutica. No caso de Moçambique se chama Instituto de Aviação Civil de Moçambique, IACM. E este é o regulador, portanto, todas as normas aeronáuticas são reguladas via IACM. Acontece que existe o ICAO, de que Moçambique faz parte, e a ICAO regularmente emite recomendações aos seus membros  sobre determinados cuidados.

Escute e leia mais sobre o assunto em: http://www.dw.de/acidente-com-avião-da-lam-nada-tem-a-ver-com-lista-negra-europeia-diz-especialista/a-17267194

A única coisa que é transparente em Angola é a corrupção, diz Rafael Marques

Nesta terça-feira a Transparência Internacional divulgou o seu índice de Corrupção Percecionada deste ano relativo a 177 países. No geral os PALOP continuam nas piores posições, com destaque para Guiné-Bissau, Moçambique e Angola. Entretanto, este último país subiu um ponto, o que não é visto como uma melhoria tanto pela ONG, como pelo activista dos direitos humanos angolano Rafael Marques. Entrevistei o activista para a DW África:




Nádia Issufo(NI): Que factos terão contribuído para esta subida?
Rafael Marques (RM): É necessário notar antes de mais que muitas das vezes as melhorias registadas pelos países tem mais a ver com a percepção internacional do que com factores internos. Neste momento, por exemplo, quando olhamos para a grande corrupção em Angola, não há casos que tenham chegado a tribunal. Então, há aqui uma situação de maiores problemas ao nível da corrupção e da gestão da coisa pública e eventualmente a percepção pela informação que o Governo divulga leva instituições internacionais a pensarem que  houve uma melhoria na gestão da coisa pública no sentido da transparência, mas quando na realidade não e até na realidade houve um agravamento da situação.

NI: Como vê o facto deste tipo de avaliação ser feita por ONGs internacionais, considerando que estas tem financiamento externo e nos seus relatórios os países ocidentais estão em posições mais "limpas", mesmo que saibamos que os tais países não são tão "limpos"?

RM: O que é fundamental é pensar naquilo que os angolanos nos países que são pacificados o que os cidadãos pensam do estado da corrupção e transparência nos seus próprios países. Porque os principais fiscais e beneficiários e os mais prejudicados dos actos de corrupção são os cidadãos dos países em questão. E no caso de Angola são os angolanos. E é lógico que quando falamos deste tipo de rankings estamos a falar de países ocidentais que não contam os actos de corrupção dos seus próprios países noutras paragens. Mas também há aqui um factor importante, por exemplo, é sabido que há empresas da Alemanha que são altamente corruptas que estão a ser multadas nos EUA  e noutras paragens. Há um tipo de democracia que permite aos cidadãos levantar estas questões. Há pesos e contra-pesos nos sistemas de governação que os países africanos não têm, então a Alemanha eventualmente pode fechar um olho para promover as suas próprias empresas e até dar um desconto a corrupção que exerce junto de dignatários estrangeiros, mas isso não prejudica a Alemanha como prejudica África.

NI: O Rafael acha que uma ONG genuinamente angolana que trabalhasse no combate a corrupção teria credibilidade a nível internacional ao apresentar pesquisas em relação ao tema?

RM: Claro que não. Eu próprio tenho tido experiências, por exemplo, se eu der uma informação a uma instituição internacional esta informação num relatório internacional tem toda a credibilidade, e se eu próprio publicar esta informação tem menos credibilidade. Mas isso é um problema que nos toca a nós africanos que devemos procurar acima de tudo ganhar maior capacidade de intervenção sobre os nossos próprios problemas, porque a dependência que tem do ocidente é muito por culpa nossa.



NI: Muitas ONGs da sociedade civil em África com credibilidade internacional são essencialmente financiadas pelo ocidente. Acha que se pode fiar neste tipo de organizações que não tem independência financeira?

RM: Podermos sim, porque há aqui o problema da falta de capacidade e vontade política por parte da classe empresarial africana em financiar, por exemplo, a pesquisa e trabalhos ao nível da sociedade civil. Porque a sociedade civil é dependente dos fundos externos em África? Em Moçambique também há individous muito ricos, mas quantos desses tiram algum do seu dinheiro para financiar ONGs? Muito poucos, se alguns o fazem.

NI: Voltando ao índice da Transparência Internacional, acredita que esta subida de Angola pode-se transformar numa tendência?

RM: Sim, sim. No caso de Angola a melhoria só acontecerá quando este Presidente sair, porque ele tem sido o principal promotor da corrupção em Angola. E enquanto ele se mantiver no poder a corrupção será sempre o motor da sua própria governação. Ele não governa para o povo, então precisa da corrupção para manter certos sectores da sociedade alienados.

NI: O Rafael disse que há poucas denuncias de corrupção. Será que elas podem realmente para combater a corrupção, ao lado das manifestações?

RM: Sim, sim. É importante a participação do cidadão na denuncia e fiscalização e persistência para que a legislação seja aplicada e para que de facto as pessoas que passeiam pelas ruas orgulhosas de serem corruptas sejam vistas como criminosas. Hoje há uma certa tendência de olharmos para o corrupção como questão de honra e estatuto social.

NI: E o Rafael como angolano que ai vive é capaz de apontar alguma melhoria no combate a corrupção, por mais pequena que seja?

RM: Não. Vejo uma regressão e explico porque: aprovou-se a lei da probidade e não há nenhum caso em que ela tenha sido aplicada em tribunal e os casos de corrupção continuam todos os dias. Por outra, temos uma aspecto muito importante, o Presidente continua a nomear, até o seu genro que é congolês para uma instituição pública, por decreto presidencial. Isso é um caso claro de nepotismo. A única coisa que é transparente em Angola é a corrupção.

Leia e escute mais sobre o assunto em:  http://www.dw.de/subida-de-angola-no-ranking-da-transparência-internacional-não-significa-melhoria/a-17269084

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

As eleições autárquicas da "viragem"

Em vez de começarmos pelos problemas o melhor é citarmos as suas soluções. Pelo menos eu prefiro avaliar as eleições autárquicas de 20 de Novembro desta forma, porque percebi que foi com base nesta atitude que muitos moçambicanos preferiram participar no escrutínio. Vigiaram o seu futuro, o seu compromisso com o seu candidato, acima de tudo vigiaram o seu direito. Para que falar novamente em fraude, falta de transparência, violência policial, irregularidades, viciação de resultados, enchimento de urnas, corrupção, etc? Se a restituição da legalidade nunca foi feita através dos órgãos de direito, então a democracia popular na sua forma mais rudimentar funcionou. A vigilância popular mostrou-se eficaz e representa um atestado de incompetência da justiça ou que esta está comprometida com o partido no poder.

Manuel de Araújo, presidente do município de Quelimane
Foto: Luís Nhachote

Zambezianos na linha da frente

O nível de instrução dos zambezianos e o seu alto nível de consciência são uma das razões da vitória do MDM na cidade de Quelimane. Este povo fez com que este escrutínio fosse o mais brilhante e bem sucedidas da história das eleições moçambicanas. E porque o partido no poder tem consciência da consciência do direito e dever dos zambezianos a repressão policial foi das mais duras aqui. A "vigilância" popular, que acontece pela segunda vez aqui, custou repressão, mas resultou. Será que o resto dos moçambicanos já estão em condições de se deixarem contagiar pela "onda vigilante"?
Já um professor zambeziano dizia-me a brincar que a Zambézia queria a sua independência do resto de Moçambique. Hoje eu entendo-o melhor do que nunca.


Manifestação em Quelimane
Foto: Luís Nhachote

Beira, a confusão "positiva"

Exatamente neste município, onde a FRELIMO não tinha espaço de manobra, tal como em Quelimane, a polícia foi bárbara. Entrar num campo onde decorria um comício eleitoral e disparar contra os presentes dá-me o direito de questionar a quem serve a polícia: ao Estado ou ao Governo? Se em Moçambique a justiça funciona a polícia deve ser processada e penalizada. Mas como dizem que os beirenses são confusos fizeram justiça com as próprias mãos, destruindo bens do partido FRELIMO. Violência não se resolve com violência, mas se a polícia demonstra não estar a seu serviço, a quem recorrer? Será a "confusão" dos beirenses apenas uma resposta acutilante as fragilidades e abusos dos seus direitos? 

Nampula, mais uma zona libertada

As armas da FRELIMO são agora apropriadas pelo "inimigo". A vitória do MDM em Nampula é assim vista, como zona libertada. Quando a FRELIMO ocupava regiões sob dominio português na luta contra o colonialismo português assim as chamava, "zonas libertadas". Hoje a população coloca este partido no lugar do opressor, do que deve ser banido.

Edson Macuaua, porta-voz da presidência moçambicana
Foto: Joca Estevão

Como se invalidam dívidas "eternas"?

Durante a campanha eleitoral em Maputo o secretário-geral da FRELIMO, Filipe Paúnde disse a um vendedor do mercado Janete, em Maputo, que ele só estava ali a vender graças ao seu partido, porque se fosse em 1972 não estava lá. O vender respondeu que se não fosse a FRELIMO teria sido um outro partido e ele estaria ali a vender sim. E disse também que não gostava de algumas figura no partido de Paunde.
Saber que um vendedor de mercado recusou ser manipulado pelo candidato da FRELIMO foi um dos primeiros sinais de que o povo já sabe que não é o eterno devedor pela independência colonial.
Também dizer frontalmente uma verdade a um dos mais altos dirigentes da FRELIMO foi a inesperada chapada para o dirigente. Isso revela que há gente neste partido que vive numa redoma de vidro certo que o povo continua de joelhos, pois se Paúnde estivesse próximo das massas teria usado outro argumento menos imbecil para angariar votos e menos arrogante.
Fugir dos candidatos da FRELIMO e rejeitar o seu programa eleitoral foi outra estratégia mais "delicada". Também esta ação foi protagonizada pela população mais simples. Houve que recolhesse as suas bancas e zarpasse para dentro das suas casas e se trancasse justificando que já tinham sabiam bem quem era o seu candidato. Digno de uma comédia, mas inesperado para o partido, e para mim...
Os moçambicanos estão a mudar e por isso que acompanhe este processo de forma bem atenta quem os quer governar.

Presidente da FRELIMO e de Moçambique
Foto: Ismael Miquidade


Um rascunho das eleições gerais

Este foi com certeza um balão de ensaio para as próximas eleições gerais, o que significa que os pontos positivos e negativos destas eleições podem atingir grandes proporções, afinal as ambições são maiores...