sexta-feira, 29 de julho de 2011

A infância de Mia Couto é uma inesgotável fonte de inspiração

Falar de literaruta em Moçambique na era pós-independência é falar quase sempre de Mia Couto. É o escritor moçambicano mais destacado, no país e também no exterior, pela qualidade e quantidade das suas obras (cerca de 20 livros), pelos prémios, os mais importantes de língua portuguesa e não só. As suas obras são traduzidas para várias línguas, incluindo o alemão. Resumindo: é o embaixador de Moçambique na literatura. Mas qual é a fonte  de Mia Couto? Segundo ele é a sua infância, que o próprio qualifica como "a caixa do tesouro". O escritor moçambicano, que nasceu em 1955, deixou que eu "bisbilhotasse" um pouco sobre o seu universo literário...





Nádia Issufo: Publica com muita frequência. Para si o que significa escrever?
Mia Couto: Para mim é quase um modo de viver. Não me concebo a mim próprio, existindo, se não for por via dessa escrita. Desde menino que percebi que era timido, e como tinha uma relação difícil com as coisa práticas refugiei-me no universo do sonho e da palavra e dos livros e de facto acabou por ser uma coisa que não resultou de uma capacidade, mas de uma certa incapacidade, inabilidade que eu tinha para ser como os outros meninos que  encontravam motivo de grande alegria na rua.

NI: Quando liguei para si disse-me que escreve geralmente depois da 16 horas. Faz isso todos os dias?
MC: Eu escrevo todos os dias, pode não ser exatamente a essa hora. Essa é a hora em normalmente saio do serviço, porque eu trabalho, tenho outra ocupação, normalmente tenho duas ou três horas. Se não escrevo a essa hora, escrevo a noite forçosamente, é um a disciplina que impus a mim próprio. Nem que seja para rescrever, porque há momentos em que não há inspiração, então eu rescrevo o que já fiz.

NI: Tem sempre assuntos e coisas para escrever? Os temas não esgotam?
MC:  Quando estou a fabricar um livro acontece quase o contrário, eu deixo entrar tantos personagens, aquilo é uma espécie de caos e eu até tenho de me conter do ponto de vista de fechar portas a imaginação. Claro que quando acabo um livro fico num período que até penso "agora acabou, não vou mais escrever, entrei no deserto", mas basta a vida tomar posse de mim e entrar em convivio com outras pessoas que renasce sempre, e até agora renasceu sempre.

NI: Muitos consideram a sua escrita como criativa. Onde busca essa criatividade?
MC: Nádia, é difícil ser eu próprio a excplicar, porque isso não se explica. Mas uma das razões é o facto de eu vir da poesia. Eu trabalho na prosa, mas vim da poesia, e eu acho que continuo a considerar-me um poeta, um poeta conta história. Por outro lado, do ponto de vista da linguagem eu vivo num país que tem outras línguas, a língua portuguesa em Moçambique é apenas a língua oficial, também é a língua de cultura para muita gente. Há aqui um caldeirão de misturas, muita gente fala Portguês vindo de outra língua e isso implica uma recriação social, não literária. O Português está a ser sujeito a este processo e para quem quer é um momento muito bonito, é um preivilégio muito grande conviver com um momento histórico em que a língua portuguesa ainda está na língua de todos.

NI: Quais são os seus escritores predilectos?
MC: São muitos, é difícil dizer, eu disse que venho da poesia, muitois deles vem da poesia e muitos deles sao de língua portuguesa também, tenho no Brasil uma grande escola. Tive muitas marcas de outros como por exemplo eu trabalho muito o conto e fui marcado por Chekhov e aquilo que a capacidade de não dar confiança a realidade, nós olhamos para a realidade como uma coisa que foi inventada, vem muito dos latino-americanos comm Garcia Marquez, com Juan Rulfo. Então, eu sou o resultado de uma mistura grande.

NI: Que trabalho seu o marcou mais?
MC: Talvez o "Terra Sonambula" que foi feito durante a guerra, feito numa situação difícil porque a guerra estava presente, havias colegas meus de profissão, eu era jornalista nessa altura, que morriam e eu acreditava que nessa altura não era capaz de fazer um livro sobre a guerra, era preciso vir a paz. Mas aconteceu ao contrário, o livro começou a visitar-me e comecei a ser inspirado mesmo antes do fim da guerra e foi o único livro realmente que me custou a fazer, foi uma espécie de filho rebelde que tive.

NI: Qual é o tema mais difícil de escrever?
MC: Curiosamente o que me é difícil escrever é quando há uma cena de amor, um namoro, há uma facilidade em que isso se torne uma coisa brejeira. Entre ficar do lado bem comportado e o lado mal comportado ainda não sei como conduzir a escrita por essa via.

NI: Se voltasse a nascer agora o que o Mia mudaria na sua vida?
MC: Eu vou fugir a resposta, porque eu acho que nasço várias vezes e nasço ainda hoje. É uma das razões que me faz nascer é  viver a vida dos meus personagens e tenho uma grande capacidade empatia com os outros. Sinto que nasço várias vezes, eu mudo muito e não era preciso nascer para mudar coisas. Mas se tivesse que nascer de novo eu nao iria mudar nada por que a minha infância foi tão rica, tão mágica.

NI: Reconhece alguma maturidade ao longo desses anos?
MC: Sim, eu queria mostrar tudo, queria fazer tudo. De qualquer maneira acho que tenho agora mais capacidade de contenção, eu posso saber que determinada coisa não é para agora. Esta capacidade de olhar criticamente o que estou a fazer no momento, e é um momento m uito apaixanado e faco aquilo como se estivesse a fazer amor, é uma grande paixao escrever. E essa distância eu consigo fazer agora


NI: Qual o seu parecer sobre a divulgação da literatura moçambicana?
MC:  Acho que houve um momento em que ficamos prisioneiros de um grupo pequeno de autores, mas agora acho que a situação já está a mudar, estão a surgir nomes novos. Foi na literatura que mais sofremos o impacto da guerra. os nomes que são publicados regularmente são traduzidos e publicados no exterior são meia duzia e isso é um risco, podemos adoecer. Há uma possibilidade de sacudir esta situação.


Foto: Ismael Miquidade 
Oiça a entrevista em:  
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,6624970,00.html

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