quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Moçambique: viragem de 180 graus na política?

 Foto: Ismael Miquidade


O cenário político moçambicano está em profunda mudança. A Renamo, considerado o maior partido da oposição, está enfraquecido e perde lugar para o MDM, partido formado pelos seus dissidentes. Apesar disso a Renamo ainda tem o seu peso e obriga a Frelimo, o partido no poder, a algumas cedências. O MDM, por seu lado, soma e segue, para além de destronar a Renamo, está a conseguir derrubar a hegemonia do partido do poder. Desenha-se agora uma fase de desafios para a Frelimo que governa o país há 36 anos? Numa entrevista para a Deutsche Welle, conduzida por mim, o cientista político moçambicano, Jaime Macuane, fez a sua análise:

Nádia Issufo: Qual é a sua opinião sobre as duras baixas que a Renamo está a ter?
Jaime Macuane: As mudanças que ocorrem na Renamo podem ser o resultado de uma falta de cumprimento de uma certa expectativa que este partido tinha como um partido no xadrez político que seria a conquista do poder, ou talvez, na pior das hipóteses, conseguir ter um estatuto em que pudesse participar da suposta partilha de recursos que fizesse a sua máquina funcionar e os seus apoiantes terem benefícios. Acredito que tendo-se frustrado com as suas derrotas nas eleições de 1994, 1999, 2004 e depois em 2009 de forma mais expressiva, então criou-se uma certa desarticulação porque o partido não coneguiu cumprir com as promessas implicitas ou explicítas que fez aos seus apoiantes. Então, nesta situação torna-se complicado manter estas lealdades.

NI: Face ao enfraquecimento da Renamo, mas que continua a ter alguns trunfos na mão, e o fortalecimento do MDM que desafios tem a Frelimo agora?
JM: A Frelimo tem grandes desafios em dois sentidos: primeiro tem de lidar com dois tipos de adversários; a Renamo que em termos políticos ainda tem alguma força, que não pode ser subestimada,  mas que em termos programáticos não tem mostrado um discurso consistente. E por outro lado existe o MDM, que pode não ter a implantação que a Renamo tem, mas começa a ter um discurso crítico a Frelimo, mas não é belicista como o da Renamo, e olha mais para os pontos fracos da governação actual. Então a Frelimo tem que lidar não só com uma força militarizada que ameaça desestabilizar a ordem do sistema, mas lidar também com uma força mais politizada que é o MDM que começa a ter aceitação em circulos urbanos e no seio dos jovens. Portanto, é um grande desafio que a Frelimo terá pela frente nos próximos anos.

NI: Com estas mudanças no xadrez político moçambicano pode-se falar numa viragem de 180 graus?
JM: Está claro que que há uma mudança, mas eu não chamaria de mudança de 180 graus, apesar de alguns episódios de grande impacto como a derrota da  Frelimo nas eleições autarquicas de Quelimane este ano, mas sim que começam a surgir elementos para uma mudança consistente.


NI: A crescimento da consciência dos jovens é um dos principais motores destas mudanças, principalmente no caso da vitória do MDM em Quelimane. Considera isso reversivel?
JM: Não creio que seja reversivel, o nível de maturidade dos jovens não é o mesmo de há alguns anos. E existe outra explicação, o nível de educação e exposição a outras culturas é grande. Essa cosnciência deve ser acompanhadaa de políticos que tenham a sensibilidade de atender as aspirações dos jovens. Por isso, se a Frelimo não conseguir entender as aspirações deles e não estruturar uma prática e um discurso consentaneos, então este partido poderá perder a força e apoio que ela tem neste momento no país.

Mais sobre o assunto para ouvir em:
http://www.dw-world.de/dw/0,,13918,00.html?id=13918&x=3&y=4

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A quem pertence o nosso tempo?

Fui ao cinema com as minhas amigas, o bilhete dizia que o filme começava as 18 e 15, mas na verdade só começou as 18 e 40, ou seja 25 minutos do meu tempo foram, por imposição, para assistir publicidades! E como se não bastasse publicidades que seguidamente se contradiziam: primeiro de um marca de cigarro e de seguida se dizia que fumar mata, depois de incentivo ao consumo de alcool, ao publicitarem uma marca de cerveja, e depois uma publicidade de uma seguradora a mostrar que o alcool é o causador de muitas mortes. É verdade que as ofertas estão feitas, depois cada um faz as suas escolhas e assume os seus actos.
Mas quem lhes dá o direito de decidirem o que fazer do meu tempo? E do meu dinheiro? Sim, porque eu paguei, e sendo assim tenho o direito, pelo menos, a escolher o que quero assistir. Acho que isso é enganar o cliente, afinal se deve informar do plano real, e deixar ao critério do cliente as escolhas. A isso chamo de roubo e de porco apoderamento de cérebros e de tempo alheio. Isso é também roubo de liberdade!

Minha Deusa!!!

No Zimbabué um homem queixou-se a polícia de ter sido violado sexualmente por três mulheres, que se apoderaram do seu esperma através dos preservativos que usaram durante os actos, supostamente para fins comerciais.
Um caso inusitado, não é? Sempre pensei que ser violado fosse fantasia de muitos homens... mas pelos visto esses homens de hoje acham que isso é uma violação dos direitos humanos, já que está tão em voga o conceito... Talvez a coisa tivesse sido menos ofensiva se tivesse sido o ofendido a escolher as tres mulheres, no exercício do poder que a sociedade maxista lhe confere. Outra curiosidade é que alguns países como o Zimbabué ou o Brasil a legislação só preve acções de homens contra mulheres, o que prova que o mundo é maxista até na legislação, embora a "lei mae", Constituição, que rege tudo o resto, seja uma palavra femenina... só que apenas no conceito...
Voltando ao assunto, este caso é um marco na mudança de papeis, ou um passo para a igualdade, em termos comportamentais, embora no caso nada dignos, como preferirem as defensoras de calcinhas...
Meu Deus, verá quem viver...
Ou melhor, minha Deusa. Isso copiando a madame L. que diz: "se tiver que adorar uma dinvidade, que seja uma mulher!!" E verá quem viver?

Um golpe de "Estado" dentro da Renamo...


Foto: Ismael Miquidade

Imagino isso ultimamente... Why not? O presidente está empenhado em eliminar o que de bom resta a esta formação política, nao nos esqueçamos que a pseudo democracia, ainda que assim seja, existe em Moçambique graças a Renamo. Hoje o partido, no verdadeiro sentido da palavra, de Afonso Dhlakama, é uma piada e desprovido de credibilidade. Perdeu grande parte dos seus cérebros, perdeu o quartel general (Beira) para os dissidentes, foi obrigado a criar o seu bastião em Nampula, e a limitar-se a apoio de desmobilizados de guerra descontentes.
Com o crescente comportamento monopartidário da Frelimo, o partido na situação, o líder da perdiz ameaçou recentemente incendiar o país com manifestações violêntas, numa espécie de chamado a Armando Guebuza, que surpreendentemente respondeu prontamente, passando assim "panos quentes" ao "pai da democracia". Prova disso é que depois de ter sido "acalmado" por Guebuza  Afonso Dhlakama adiou as manifestações, previstas para o último dia 22, véspera das festas mais importantes para o povo e momento em que escasseia dinheiro, e agora viaja pela região centro do país, num espiríto de harmonia, para organizar manifestações pacíficas...
E viva o maior partido da oposição...

Constatações natalinas

Nas feiras de natal na Alemanha para além das tipicas comidas da terra, como o wurst, flameküchen, etc, ou bedidas como o glühwein (vinho quente com especiarias), também de se vende artesanato; colheres de pau, roupas de inverno, etc. Tudo isto custa os olhos da cara, mas mesmo assim as pessoas nao saem de lá, e por isso, algumas vezes, os vendedores nao sao simpaticos, afinal nao é preciso grande esforco para conquistar clientes...
O que os atraem tanto afinal? Várias coisas, como por exemplo a originalidade, exclusividade dos produtos, o contexto da sua producao, e agora que estamos em tempos "verdes", também os factores sustentabilidade, reciclagem e certificacao.
Já em países pobres como o meu, as pessoas procuram principalmente a funcionalidade e o lado estético dos produtos, que sao comprados com certo orgulho em "shoppings"... Ou entao, para quem é mais abastado, mas pouco consciente ou sem muitas alternativas de escolha, fica pelos produtos de grandes marcas ocidentais para poder contar aos amigos depois...
Esta comparacao entre mundos diferentes mostra claramente o estágio de desenvolvimento dos povos. A Alemanha para além de ser uma das maiores economias mundias, tem grande parte da sua populacao a adquirir outros valores devido ao seu nível de formacao e consciencia, por exemplo; um sujeito compra uma colher de sopa para oferecer a mae, nao só porque a mae precisa de uma nova, embora tenha uma dúzia, mas porque a madeira usada foi aproveitada de uma árvore doente e já sem funcionalidade, e por isso abatida e certificada, e foi fabricada manualmente por uma comunidade de órfaos pobres, cujos pais morreram de sida num país de terceiro mundo...

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Os avessos da arte, ou da pobreza

Uma artista "de corpo cheio" olha para um lustre enorme e diz-me admirada: "aproveitaram os copos para fazer este candeiro" e eu disse: "não, não são copos, mas podiamos desmonta-lo e fazer copos" e puz-me a imaginar como poderia aproveitar as correntes que ligam os "copos" artísticos, mas depois outra coisa dominou a conversa...
Esta seria a funcionalidade da arte para muitas pessoas da minha terra, quando outros buscam a arte no essencial que falta aos primeiros...

A arte de destruir para recon$truir

A companhia aérea francesa, Air France, ganhou um contrato para manutenção de aviões de duas companhias públicas líbias, segundo informações do secretário de Estado do Comércio Externo francês. Já vi este filme antes, os Estados Unidos da América invadiram o Iraque, rico em petróleo, destruiram o país e depois as suas empresas ganharam os concursos para o reconstruirem. Agora é a França, principal protagonista na intervenção militar estrangeira na Líbia, também rico em petróleo, que opta pela mesa linha. 

Pierre Lellouche, que esteve em Tripoli nesta terça-feira, fez-se acompanhar por uma delegação de representantes de empresas como a Total, Alstom, esta que também volta a fornecer materiais a empresa de electricidade Gecol, Acatel e France Telecom.

Assim a França aumenta as suas exportações e terá garantida uma fonte de matéria prima, é desta forma que se sustentam as grandes potências. E com a crise financeira e conómica, esta jogada veio de certeza em boa hora. Resta agora saber qual foi o nível de "transparência" do tal concurso. Restava outra alternativa ao Conselho Nacional de Transição se não "pagar" a França por lhe ter colocado no poder? E isto as organizações de defesa dos direitos humanos e pela transparência, demasiado citadas pelas rádios internacionais, preferem não saber, estão demasiado preocupadas com as contas angolanas, equatorial-guineenses, etc.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Frelimo procura "forca da mudanca"

Foto: Ismael Miquidade

Manuel de Araújo do MDM, partido com menor representatividade no parlamento mocambicano, venceu as eleicoes no municipio de Quelimane, conquistando assim a segunda cidade depois da Beira. Aos poucos esta formacao vai marcando uma "viragem" nas tendencias políticas do país, primeiro ao derrubar a supremacia da Frelimo, o partido no poder há trinta e seis anos, e segundo por derrubar todos os dias, com atitude, a Renamo do patamar de maior partido da oposicao, embora este último tenha decidido boicotar as eleicoes ao nao participar.
A Frelimo se já sabia que nao podia se "deitar" tranquilamente sobre a sua hegemonia, agora tem de aprimorar a sua astúcia para se manter no poder. No caso do MDM nao será tao fácil de derrubar, afinal o garante do seu sucesso sao os jovens formados e conscientes, um grupo que deixa de ser minoria em Mocambique. Por outro lado a exigencia por maior independencia dos órgaos e processos eleitorais, algo conseguido aos poucos e de forma irreversivel, deixa menos campo manobra para o partido do batuque e da macaroca. Dividir para reinar, parece estratégia que já nao tem muitas chances, a crise recente dentro do MDM parece nao ter abalado em nada o partido, os resultados das eleicoes intercalares desta semana estao ai para confirmar.
Por outro lado a Frelimo enfrenta uma Renamo que embora enfraquecida, ainda tem os seus trunfos que a história lhe confere, entre outros. Hoje confunde-se Renamo com Afonso Dhlakama, algo que já inviabiliza a partida a credibilidade deste partido. Para além de se pautar por muitos discursos e poucas accoes, o partido perdeu o que ganhou, até o seu bastiao, a cidade da Beira! Nampula é agora casa de Dhlakama, de onde partiu a última ameaca de retorno a guerra que, inacreditavelmente, levou o presidente do país, Armando Guebuza, a subir até lá para o acalmar, nao imagino como...
A Renamo nao soube evoluir nas suas estratégias, continua agarrado ao discurso belicista, hoje algo quase surreal (nem tanto, porque Guebuza foi a Nampula...), mas acredito que a Frelimo ficou mais assustada com a capacidade de mobilizacao da Renamo para uma manifestacao, coisa que nenhum governo hoje deseja..., do que por um retorno a guerra. Esta atitude "primitiva" da Renamo, terá possivelmente também afastado a ala pensante do partido que saiu para formar o MDM.
Portanto, com esse desenho, uma fase nova e cheia de desafios que a Frelimo terá de enfrentar. Resta só saber se ela ainda tem jogo de cintura para tal, como sempre nos mostrou. Sem nos esquecermos que a saúde do próprio partido nao vai assim tao bem. Sera que já se desenha de verdade um "Futuro melhor" para Mocambique?

Um professor meu de História das Ideias zambeziano dizia em jeito de brincadeira que os seus conterraneos queriam ser independentes do resto de Mocambique, que eram um povo diferente. Que mocambicano nao tem uma historia para contar sobre um conhecido zambeziano? Que é vaidoso, bem arranjado, batalhador, bem falante, intelectual, assado ou cozido?
Se a vitória nao é a realizacao do velho sonho deles, é entao a oportunidade de serem eles mesmos!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

STP: O cacau do absurdo

No país do cacau o chocolate não é para o bolso de qualquer um, é muito caro, contou-me uma são-tomense. Um pequeno chocolate do nível "Toblerone" pode custar cerca de dois Euros e meio, um verdadeiro rombo para gente baixa renda, como por exemplo o plantador de cacau. Este não pode ter acesso ao resultado final do seu trabalho, embora não acredite que essa seja a sua principal preocupação, quando existe o pão para comprar, as propinas dos filhos, etc Mas seria bom, não?

Já em países desenvolvidos, onde existe muita gente de rendas médias e altas, o mesmo chocolate custa metade do preço. Não deixa de ser absurdo que África continue AINDA a ser apenas a fonte de matérias primas, nos moldes "primitivos" do tempo colonial e o produto acabado continue a ser vendido no continente a preços exorbitantes.

Entretanto, o chocolate faz as delícías dos povos desenvolvidos, dá fama e dinheiro, através do turismo, a cidades como Bruxelas, Brugge e outros lugares. Diz-se que a Alemanha é um dos maiores consumidores de chocolate do mundo, os franceses não ficam muito longe.

São Tomé e Príncipe já foi o maior produtor de cacau do mundo, e o seu cacau ainda tem fama pela qualidade, agora só produz duas mil toneldas por ano que são vendidas também a médios e grandes empresários do país a preços ditados pelo mercado internacional, que como se sabe são geralmente baixos. Por exemplo, muitos são-tomenses não sabem para que fábrica internacional o seu cacau é vendido. No país só existe uma fábrica artesanal, de um italiano, que segundo a minha fonte são-tomense, o chocolate nela produzido não é para o bolso do comum cidadão.

A Cesár o que é de Cesár

Na exposição de artes do povo Dogon, do Mali, que acontece no Kunstmuseum de Bona na Alemanha, vem-se objectos que representam a vida de várias etnias da região. Eles datam do período que vai do século XII até ao século... mas não pertecem aos seus legítimos proprietários, a gente de Dogon. Eles são propridade de famosos museus do velho continente, como o musee d´orsay em Paris, ou de pessoas individuais. Um absurdo, não é?

É verdade que o conhecimento e a arte devem ser pertença global, devem girar o mundo para que todos possam apreciar e aprender, mas como se diz "a Cesár o que é de Cesár", ou melhor "aos Dogon o que é dos Dogon." O que é legitimamente dos ocidentais que é pertença de algum país ou museu africano?
Já com os achados do Egipto antigo acontece a mesma coisa, grande parte deles são propriedade de museus europeus, e os arqueólogos egipcíos tentam, em vão, mover céus e terras para os ter de volta. Agora com a destruição de obras de arte no contexto das manifestações, alguns já vão ter argumentos para legitimar o seu açambarcamento...

E porque a exposição não era só de artefactos ou arte do povo Dogon, estava lá o GIZ, a cooperação técnica alemã, com direito ao seu espaço, a explicar que até 2010 gastou mais de 100 milhões de euros para a boa governação no Mali, para agricultura e outras coisas. Enfim, continua-se com a atitude paternalista e uma espécie de competição entre os "velhos" europeus sobre quem "dá" mais aos africanos...
Numa tentativa de denúncia, e talvez de afastamento, em relação aos seus antepassados, contam e mostram, com imagens nas paredes do museu, que na França, no tempo colonial, (não sei bem que critérios se usam para delimitar esse período...) existiam zoológicos humanos, onde colocavam africanos no seu habitat, entre eles os do Mali, para que os europeus os apreciassem.
Qual é a diferença entre a criação de um zoo humano de pretos e a apropriação da ancestralidade e história de um povo? Continua no fundo a ser uma colonização, só que muito sofisticada e dissimulada e sem definição de espaço, ou melhor, que agora ultrapassa o espaço geográfico e dá um grande pulo para uma espécie de apropriação de "genes". Com a globalização, ou colonização, depende de como se vê a coisa, só já não é preciso sair de casa, ser "antropologo"...

Mas será que alguém já pensou que se se fomentasse a criação de museus, por exemplo no Mali, aumentaria o turismo nesses lugares e com isso vinham as receitas para os cofres de Estado e assim também diminuiria o nível de pobreza no continente? Se bem que o conceito de pobreza também é relativo...
Da mesma maneira que "exportam" a democracia para África poderiam também exportar esses bons exemplos de venda de turismo, de que eles são campeões.
Assim os países desenvolvidos deixavam de dar "ajuda" aos subdesenvolvidos... Mas será que aos "ajudadores" interessa cortar este ciclo de dependência que fossiliza a cada dia?

Mais sobre este povo e sobre a exposição para ler e ouvir em:
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,6637724,00.html

25 anos Mutumbela Gogo: Fala você mesmo...

Os domingos da minha adolescência foram também preenchidos com teatro na companhia de amigos. Desciamos a pé para o Teatro Avenida para assisitir "O funeral de um rato", "Sexo? não obrigada!", "As mãos dos pretos", com direito a cortes de energia pelo meio, o que nos obrigava a voltar para casa frustrados.  As descidas até este lugar continuam, o grupo de Teatro Mutumbela Gogo pode dizer, no meu caso, que conseguiu "fidelizar o cliente"...  Hoje, para além de continuar na plateia, tenho a oportunidade de conhecer os bastidores desta casa, e com a comemoração dos seus 25 anos, mais motivos tenho ainda para cuscuvilhar... Comecei com Graça Silva:

Nádia Issufo: Que lugar ocupa o Mutumbela Gogo na tua vida?
Graça Silva: É a minha vida, o meu nascer até a minha morte.

NI: Imaginas-te divorciada do Mutumbela Gogo?
GS: Jamais! Mesmo de bengala eu vou pisar os palcos. Isso para dizer que o amor, a paixão e o estar bem comigo mesmo, passa por estar no Mutumbela Gogo e nos palcos.

NI: Conta-me, como vieste aqui parar?
GS: Fazia parte do grupo de teatro da escola Francisco Manyanga, onde estudava, e fui convidada a participar numa peça do Tchova Xitaduma  quando ouvi dizer que o Mutumbela estava a fazer um casting, isso cerca de um mês depois da sua fundação, vim ter com a Manuela Soeiro que me aceitou e desde lá faço parte do Mutumbela.

NI: Vocês festejam 25 anos de existência, qual é o significado desta data para ti?
GS: Significa muita coisa, desde aprendizagem da vida, das artes e no próprio teatro. Por exemplo, comecei a viver a vida com cerca de 20 anos; aprender a comportar-me e estar com as outras pessoas, começava a ter projectos e foi com essa idade que entrei no Mutumbela. Para mim isso é tão grande que nem há espaço no meu coração.

NI: Para além de seres actriz é mãe, esposa... como é conciliar tudo isso?
GS: Não é fácil, considero-me abençoada, por estar casada até hoje. Conheço muitas mulheres no mundo das artes que dificilmente conseguem se manter casadas. É uma luta diária que faço, eu gostaria de continuar com a minha familia porque também do teatro não me vou separar. Tento conciliar as duas coisas, estar com a minha família nos meus tempos livres.

NI: Como a tua família vê o "parente" Mutumbela Gogo"?
GS: Eles ficam com ciúmes, para eles o teatro está em primeiro lugar na minha vida, mas não é bem assim. Esta profissão requer muito de nós, consome-nos muito, principalmente quando viajamos eles sentem mais falta, porque as vezes ficamos meses fora. Quando estou cá é mais fácil porque dá para aproveitar determinados períodos, então eles consideram-se os segundos ou terceiros da família.

NI: Para além de seres actriz já encenas, estás a andar com as tuas próprias pernas. Queres falar dessa nova faceta?
GS: É um grande desafio e um desejo que sempre tive. A primeira peça que encenei foi uma grande aventura, tinha medo, não sabia se iria conseguir, da reacção do público, dos meus colegas, mas acho que consegui me sair bem e consegui seguir os passos do Mutumbela que é a minha escola e consegui transmitir aos outros actores com quem trabalhei o que tenho feito no Mutumbela, o que é muito benéfico.

NI: Já fizeste muitas peças, diz-me uma que te marcou...
GS: Estou dividida, tenho duas no coração; "Os meninos de ninguém" onde fiz o papel de Nascimento e a peça "Vestir a terra", foram trabalhos que me tocaram no fundo, sem querer menosprezar as outras peças.

NI: Agora estão a preparar as celebrações dos 25 anos...
GS: Nunca pensei que fossemos chegar a este nível de profissionalismo, é um agrande vitória para nós e acredito que será um grande exemplo para os fazedores do teatro em Moçambique, ou noutros lugares, para que haja um reconhecimento, e isso também lhes dará mais força e estimulo para continuarem neste mundo. É preciso muita persistência para fazer teatro em Moçambique.

NI: Como te sentes pelo reconhecimento do teu trabalho e por pertenceres a um grande grupo?
GS: É uma benção, é esse reconhecimento que nos faz continuar e é bom saber que sou útil para a sociedade.

NI: O que sonhas fazer ainda no Mutumbela Gogo?
GS: Termos uma escola de teatro, porque há muita gente que gostaria de aprender conosco, embora convidemos alguns actores para alguns trabalhos, mas com uma escola seria melhor. O outro sonho é continuar a fazer encenação e continuar no palco.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Mãe de quem?


Foto: Ismael Miquidade

Em África chamar mamã ou papá a outros que não são os pais é um sinal de respeito. Aprecio muito o gesto, e até se costuma dizer na minha terra que quando temos filhos, deixamos de ter identidade, passamos a ser "mãe de fulano...", "pai de fulano..."
As vezes também pode ser uma maneira "delicada" de chamar "cabeça dura", como se diz que os mais velhos são... Por exemplo, o meu instrutor da escola de condução chamava-me "mamã" quando eu cometia erros inadmissiveis...
Mas quando se chama mamã ou papá a um dirigente, qual é a intenção? Alguns o fazem por respeito, outros o fazem para responsabiliza-los, mas cada vez mais muitos assim o chamam porque são preguiçosos, e pensam que os dirigentes tem a obrigação de lhes providenciar o sustento e dizem: "o nosso pai tal vai construir uma escola para nós...", eles mantem com o seu líder uma relação permanente de filho menor e pai, ou seja, nunca atingem a maioridade. Deveres, obrigações são termos desconhecidos para muitos. Mais frequente ainda é ouvir os artistas dizerem na televisão moçambicana: "o governo não faz nada por nós..." e depois quando esses mesmos artistas morrem o governo é quem lhes compra o caixão, só não sei se por vergonha, ou porque se acha mesmo pai dos moçambicanos...
Esta observação surge por causa das recentes eleições presidencias na Libéria que reconduziram a "mamã" Ellen, como é conhecida no seu país, ao cargo. E também em Moçambique se chama a ex-primeira dama, Graça Machel, de "mamã", e um moçambicano que tinha mãe e não gostava nada que lhe atribuissem outra dizia: "mamã de quem??"

Afghanistan Tag im Deutschland

O cotidiano dos bonenses está um caos desde o fim de semana passado porque decorre na sua cidade uma das maiores cimeiras mundiais para discutir a situação do Afeganistão. E para quem gosta de filmes de acção de Hollywood, este é o cenário ideal para ser visitado, isso se a polizei deixar! Porque várias ruas estão fechadas nas proximidades, ou melhor, nas "longidade" do lugar onde estão reunidos altos dirigentes políticos. Os autocarros fazem percurso diferentes, com horários alterados, enfim uma m...
Aliás, nunca vi tanto polícia junto, acho que neste momento um polícia está para um habitante... Todos eles bem armados, bem apresentados, parecendo ter grandes tarefas, enquanto outros colegas se mantem dentro de carros com motores ligados a pensar em alguma coisa, embora parados... eles interpelarem todo o mundo, exigindo papeis que não sei se garantem segurança alguma... Como diz o meu colega: "deviam ir para a cidade do México..."
Também se podem ver carros com a seguinte identificação: "Hot Car"...

E como oportunidade é algo que os homens de hoje sabem tirar proveito, então vamos embora para as manifestações. No sábado eles exigiam paz e o fim da presença de tropas alemãs no Afeganistão, hoje gente do mundo árabe se juntou numa esquina da região onde decorre a mega cimeira, tendo a sua frente uma cortina de polícias a sua altura, com cartazes exigindo tudo o que voces já sabem, alias, já nem precisamos de ler, não é?
E um pouco mais adiante, numa conceituada instituição do governo alemão, estão reunidas não mais do que doze mulheres cobertas de panos verdes na cabeça, elas dão muitos risinhos e estão animadas, enquanto que outras, não cobertas, lhes dão uma atenção fora do comum, para além de lhes garantir todas as condições... O tema do encontro é "Mulheres no Afeganistão." Fiquei com a sensação de que os papas estão a fazer trabalho a sério no grande salão, e deixaram as filhas no parque de diversões...

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Vocês que podem que se entendam...

 Foto: Ismael Miquidade
Quando a situação começou a ficar demasiado "grega" na União Europeia, começou também a "saltar" o verniz aos seus dirigentes; começaram as trocas de acusações, a colocação de "etiquetas" no elo mais fraco, e houve até quem cogitou "saltar fora", no parlamento do Reino Unido uma petição para um referendo sobre a permanência do país fracassou em Outubro passado. Pensava alguns integrantes do governo que podiam sobreviver "pendurando-se" ao apoio dos Estados Unidos da América. Os ingleses agora são mudos, e mais ainda, invisiveis!

A Grécia, coitada, se viu entre a espada e a parede. Depois de ter se ter comprometido com a União Europeia em tomar mais medidas de austeridade e outras reformas para sair da banca rota, decidiu ser "democrática" e realizar um referendo para que os gregos escolhessem sozinhos a sua solução. Mas os 27 não gostaram desta democracia. Uma contradição, não?

Por um lado a zona euro, liderada pela dupla Merkel e Sarkozy, não deu sossego ao governo de George Papandreau que tentava deitar água a fogueira em casa. A União Europeia no príncipio falava na falta de credibilidade, hoje já não tem adjectivos para o qualificar. Entretanto a crise política agudizou-se, houve mudança de governo e está agora tudo sob controlo...

E como em tudo hoje, há o efeito contágio. A Itália de Silvio Berlusconi esteve depois na berlinda, também fez promessas a dupla Merkel e Sarkozy, mas esteve sempre na mira deles. O ministro dos negócios estrangeiros da França, Alain Juppé, disse que a Itália tem um "problema de credibilidade" e, por isso, defende a necessidade de se fiscalizar o país para garantir que cumpra os compromissos assumidos.
Nos dois casos, a crise económica desencadeou crise política, claro. A oposição sabe tirar devido proveito disso, e como a manifestação é a palavra de ordem... Berlusconi caiu.

Enquanto isso elo mais forte, Alemanha e França, ditam as regras do jogo e vem-se a nora para gerir tanta confusão. As economias mais desenvolvidas do mundo chegaram a pensar em meter a mão ao dinheiro almeão. Os líderes políticos germánicos e os meios de comunicação social ficaram"preocupados" com a possibilidade do país recorrer às suas reservas de ouro para financiar o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF).  O governo por seu lado, negou que esta possibilidade tenha sido discutida  na reunião do G-20, em Cannes na última semana, embora assuma que alguns dos participantes questionaram a Alemanha  sobre os direitos de tiragem especial para aumentar a eficácia do FEEF, o que foi rejeitado pelo lado alemão, segundo o governo.
Em suma: estão se a morder! Um espetáculo raríssimo para as as massas, não?
(texto escrito há mais de um mês...)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

amor amor, edredons a parte!

Já se imaginou a não partilhar o cebertor com o seu marido apesar de dormirem na mesma cama? Refiro-me mesmo a um hábito e não a práticas "isoladas" que caracterizam os dias de brigas, ou de intenso calor.
Pois é, entre alguns alemães é frequente que cada um tenha a sua coberta "individual", mas a cama seja "colectiva". Apanhei um susto quando soube disso. Dizem que um casal é um só? Está teoria não é completamente cheia, alias, acho que a reivindicação que sai com mais frequência da boca dos casais de hoje "preciso do meu espaço" deve ter tido origem neste comportamento...
Ou então os casais alemães não devem brigar... Imaginam como deve ser em dias de zanga? Deve ser muito difícil "fazer" as pazes, sair do seu "espaço" para o "espaço" do outro, é uma distância e pêras!
Calor humano, o que é isso? Em terras geladíssimas como a Alemanha supostamente os casais deveriam desejar colar os corpos, pelo menos por uma questão de sobrevivência...
Entretanto, acho que este sistema alemão seria bastante apreciado em terras quentes, cada um com seu lençol nos picos do verão... nós é que não sabemos das coisas!
Duas metades de uma laranja que não são cobertas pela mesma casca... porra pá!!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Carlos Cardoso, um exemplo difícil de ser seguido

A 22 de Novembro do ano 2000 foi assassinado Carlos Cardoso. Ele era considerado pedra rara no jornalismo moçambicano, pela busca da verdade, imparcialidade e também pelo seu caracter investigativo. E foi isso também que originou o seu assassinato, Cardoso investigava a maior fraude bancária da história de Moçambique, que envolvia grandes figuras da cena empresarial e política do país. Quais são as características da media moçambicana 11anos depois da morte deste jornalista?A Deutsche Welle conversou com Paul Fauvet, ex-colega de Carlos Cardoso e co-autor de uma obra sobre a sua vida, e começamos com a seguinte pergunta: Será que este jornalista é um exemplo que está a ser seguido no país?

Paul Fauvet: Essa pergunta é difícil, Carlos Cardoso era uma pessoa muito rara, singular. É difícl encontrar uma pessoa que faça o mesmo com entusiasmo. Cardoso era um jornalista político, com grande cultura geral, como ele não há muitos. Existem alguns jornalista que continuam a fazer jornalismo investigativo em Moçambique, mas não são muitos. A morte de Carlos Cardoso é uma perda irreparável para o jornalismo moçambicano.

NI: Será que a morte de Carlos Cardoso limitou, através da intimidação, a coragem e o profissionalismo dos jornalistas moçambicanos?
PF: Eu acho que não é isso, acho que há incidentes de intimadação, há pessoas que tem medo, mas isso existia também antes da morte de Carlos Cardoso. É preciso desenvolver dentro do jornalismo moçambicano uma cultura de trabalho, de investigação. O jornalismo não é coisa fácil e ninguém fica rico por fazer esse tipo de jornalismo.

NI: Como avalia o actual jornalismo feito em Moçambique?
PF: Há pessoas que tentam o seu melhor em vários órgãos de informação, no sector público e no privado, mas também há jornalismo barato, jornalismo de esgoto, ou sensacionalismo simplesmente para vender, Moçambique não diferente dos outros países nesse aspecto, como em qualquer lugar do mundo existe o bom e o mau jornalismo.

NI: Carlos Cardoso sempre pautou por um jornalismo que denunciava a corrupção, a falta de transparência, etc. Com são tratados hoje esses temas pela media?
PF: Há jornalistas que continuam nesse caminho, devo dizer que os mass media tiveram um papel importante em casos de corrupção que chegaram aos tribunais, acho que sem a cobertura dos medias esses casos não teria chegado as barras dos tribunais.

NI: Para si, a forma como foi concluído o processo no caso do julgamento de Carlos Cardoso foi satisfatório?
PF: Não inteiramente. Como se diz há fragilidades, é um escandalo que o senhor Anibalzinho, o chefe da quadrilha contratada para assassinar Cardoso, conseguiu fugir da prisão três vezes! Mas felizmente foi capturado, é verdade que os presos tem uma facilidade extraordinária dentro das cadeias. O senhor Nini Satar, um dos homens de neócios que contratou os assassinos, conseguiu ter uma página do Facebook dentro da cadeia!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Mais justo, menos humano

Esta semana tocou-me a campainha um funcionário da Cruz Vermelha alemã, ele angaria fundos para a sua organziação. Com muita lábia e simpatia "quase" vendeu o seu peixe, para além de ter tomado o meu tempo que já era "inesticável." Enquanto ele tentava convencer-me a dar dez euros, seis euros ou dois euros, ia baixando o montante devido ao meu inalterado semblante, a minha cabeça andava mil a hora: como boa moçambicana que sou primeiro fui assaltada pela desconfiança, depois lembrei-me que estou na Alemanha, então fiz uma inspeção ao homem: "crachá, casaco com identificação, etc. Segundo me perguntei: porque tenho eu de dar dinheiro a Cruz Vermelha alemã? Eu já pago um balúrdio em impostos! E além de que imaginava que parte desse absurdo também ia para a Cruz Vermelha alemã. E continuei na minha viagem enquanto tentava avaliar  melhor o "peixe" que o homem me estava a tentar fazer engolir, numa língua que não domino. Pensei, possa, para dar qualquer centavo, porque não dar a quem mais precisa? Eu sei que na Alemanha também existe gente carenciada. Mas pensei no meu país, e em muitos outros, na extrema pobreza que lá se vive, e disse para mim mesma: "Não é justo! Este gajo não leva nem o cheiro do meu dinheiro!" E fiquei mais irritada quando perecebi que ele queria que a doação fosse mensal e queria o meu número de conta bancária! Ora bolas, que intimidade é essa? Se é você quem quer, dê-me então o SEU número de conta! E eu darei se puder. Mas antes de perceber tudo, já tinha eu preenchido metade do formulário bancário...
 Mas ao mesmo tempo deixei-me levar pelo meu lado humano e me perguntei: "Eu só ajudo os meus, ou ajudo a quem precisa?"
O meu EU era confrontado com uma grande questão: o que tem mais peso na balança da vida? a justiça ou o lado humano? E mais ainda, essas duas palavras tem gradações? Ou seja, existe desumano, pouco humano, e humano?
Lá se foi embora o homem a muito custo,  mas deixou-me os seus contactos e da sua organziação para qualquer esclarecimento. Eu cheia de dúvidas fui fazer consultas aos nativos e fiquei a saber, sim, que o Estado ajuda ONGs através dos nossos impostos. E fiquei a saber também que os alemães que ajudam ONGs locais, depois podem recuperar parte do dinheiro dos impostos, ou seja, não se "perde" de todo...
E o mais interessante, é que essas ONGs que recebem dinheiro do Estado só o podem usar na Alemanha, ou seja, o dinheiro "gira" aqui dentro, igual aos indianos, não? Já se entende porque a Alemanha é uma das maiores economias do mundo.
Essas duvidas furaram, mais uma vez, as minhas construções de palavras "perfeitas": honestidade, justiça, sinceridade, verdade, humano, etc, elas são meias verdades, para além de que as vezes elas, entre si, nem sequer se complementam.
Acorda Nádia...

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Entrevista: Angola, uma futura potência?



"Angola: Potência regional em emergência" é o titulo do livro de Eugénio Costa Almeida lançado esta terça-feira em Lisboa. A obra baseia-se na tese de doutoramento do autor. Ele defende que Angola consolida-se como potência na região central da SADC, uma posição que pode gerar conflitos com a potência África do Sul, embora lhe falte o desenvolvimento tecnológico. Eu, através da DW, conversei com Eugénio Costa Andrade sobre o tema:


Nádia Issufo: Que factores, para si, colocam Angola numa posição de potências em Angola?
Eugénio Costa Almeida: São essencialmente factores de ordem económica, social e política, embora não sejam, naturalmente os únicos factores que definam uma potência regional.

NI: Hoje na SADC  a potência é a África do Sul. Há alguma possibilidade do chamado país do arco íris ser "suplantado" por Angola?
ECA: Eu como angolano gostaria, mas vamos ser honestos; é evidente que não. A África do Sul é uma potência que já existe há muito tempo e se vem afirmando não só a nível regional austral, mas em todo o continente. Há cerca de 30 anos é claramente a potência africana, portanto não será nos próximos anos que Angola poderá se igualar a força potencial da África do Sul.

NI: Esta emergência de Angola cria algum tipo de divergência com a Africa do Sul?
ECA: Pode e criará de certeza, mas caberá aos líderes dos dois países saberem dirimir essas divergências de modo a que elas não se conflituam, ou seja, quando alguém já está colocado num determinado patamar por regra não gosta de ser desalojado dele, e quando esse patamar é um pouco apertado, duas no mesmo sitio e ao mesmo tempo torna-se problemático. Até porque a África do Sul considera que Angola faz parte da sua zona de influência, e há países que fazem parte da actual zona de infuência de Angola que fazem parte da zona de influência da África do Sul. Eu não estou a ver que um ou outro prescindam desse factor, é certo que Angola está mais virado para a zona central, mas não esquecendo aqueles países que por outra razão mais próximo se encontram da sua órbita, refiro-me ao Zimbabue, Zâmbia e de alguma forma a e um pouco difusa a própria Namíbia.

NI: Na sua óptica falta a Angola o desenvolvimneto tecnológico para se afirmar como potência. Onde coloca as outras coisas que também faltam ao país como o fraco quadro profissional e académico e a situação política criticada internamente e externamente?
ECA: Esses factores não condicionam a partida a formação de um Estado como potência. Atenção! Não é bem assim, porque o desenvolvimento académico e intelectual está de certa forma interligado ao desenvolvimento tecnológico. Mas a questão de estabilidade política não me parece que seja condição sine qua non para que o Estado se afirme. É evidente que se pudermos juntar uma estabilidade política, uma harmonia em todos os interesses políticos que estão em Angola, mais agradável seria, e talvez mais rapidamente Angola pudesse se afirmar ainda mais no contexto das nações africanas.

NI: Até que ponto a situação ionterna angolana influencia o papel e a imagem de Angola no continente?
ECA: Não está a influenciar, talvez se nós enquanto cidadãos desejassemos que pudessem permitir um maior desenvolvimento político, uma menor autocrácia, menor afirmação política de determinados grupos, nós sabemos que é a imagem do seu actual presidente José Eduardo dos Santos que tem permitido que Angola se afirme no contexto das nações africanas transmitindo uma imagem de estabilidade que a partida verificamos que não é tão linear assim.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

"Doing Business" cota bem São Tomé e Príncipe e Cabo Verde

O Relatório "Doing Business" 2012 do Banco Mundial diz que Cabo Verde e São Tomé e Príncipe estão entre os 12 países da África sub-sahariana que  melhoraram o seu ambiente de negócios. Já Angola e Moçambique registaram retrocessos neste ponto. O "Doing Business", que visa a transparência nos negócios, avalia várias áreas, entre elas a abertura de empresas e a resolução de insolvência. O país africano que lidera a tabela de classificação, em 23º lugar, são as ilhas Maurícias, pela quarta vez consecutiva. Relativamente a situação de São Tomé e Príncipe, ouvi, através da DW, o economista no local, Acácio Bonfim.


Nádia Issufo: Estando no terreno, partilha desta conclusão?
Acácio Bonfim: Naturalmente que concordo porque os indicadores utilizados para a analise da evolução das medidas tomadas pelos país para facilitar o negócio, mostram que medidas foram tomadas nos ultimos tempos.

NI: Entretanto, o Banco Mundial ainda em Janeiro deste ano disse que STP tinha baixado o nível em termos de ambiente de negócios. Apenas nove meses depois esta instituição diz que o país melhorou. O que acha disso?
AB: Depois da declaração de Janeiro o país consciente da necessidade de melhorar o ambiente de negócios tomou uma série de medidas, nomeadamente o negócio entre fronteiras, já se cobram os direitos aduaneiros nos serviços de fronteira, através de um serviço bancário instalado para esse fim, e assim as pessoas não precisam de se movimentar para a cidade para esse fim. Outro aspecto tem a ver com a abertura e funcionamento das empresas, não havia o guiche único, ele já foi criado, o que permitiu reduzir o tempo da tramitação do processo das empresas e reduzir custos. Tambérm há electricidade, sabemos que há probelmas no que toca ao seu abastecimento, mas o acesso a ela é muito mais rápido e fácil do que era há nove meses atrás, entre outras melhorias. Portanto, não é por acaso que o banco mundial reconhece isso.

NI: O "Doing Business" toma em conta vários factores para as suas analises. Entre eles a transparência, no caso de STP, que mecanismos o próprio país tem para supervisionar isso?
AB: Quando se vai eliminando as barreiras no exércicio da actividade comercial, surge a necessidade do governo ir supervisionando essa liberdade que se dá aos operadores económicos. Por exemplo, já existia uma supervisão das actividades económicas e ela foi restruturada, modernizada e apetrechada com meios humanos e materiais, para além da formação, e ela serve para ajudar na fiscalização. Isso sem falar de outras de outras entidades vocacionadas para a fiscalização da actividade económica. É verdade que nem todas as condições estão criadas, mas as evoluções que se notam são irreversiveis, e com o andar do tempo as coisas vão melhorando.

NI: Segundo o Jornal electrónico santomense "Tela Non" o governo assinou as escondidas um acordo para a produção de petróleo no Bloco 3 da zona económica exclusiva com a empresa nigeriana Orantum Petroleum ainda este mês. Isto não pode ser visto como uma contradição em relação ao relatório "Doing Business"?
AB: Essa é uma afirmação do jornal, o "Tela Non" caracterizou o processo como um acto nas escondidas. Naturalemente isto não é, senão, da inteira responsabilidade do jornal. Tive informação de fonte fidedigna de que houve dificuldade em que a negociação fosse feita aos olhos da comunicação social, mas logo de seguida foi emitida uma nota de imprensa a comunicar o mundo o que se passou. Não sei exactamente porque razão o assunto não foi apresentado, mas eu acredito que os factores que foram usados para avaliar a evolução do processo de transparência no mundo de negócios, foram analisados. Naturalmente que o facto de não ter sido anunciando a comunicação social numa determinada fase de negociação, não pode de maneira nenhuma ser o bastante para manchar o que vem fazendo até agora. Ainda que tenha sido uma falha, penso que não é o suficiente para se por em causa a avaliação positiva que o relatório do Banco Mundial fez sobre STP.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Comportamentos curiosos...

1. Porque muitas vezes cada elemento de um casal tem o hábito de publicar APENAS a sua foto e dos seus filhos nas redes sociais ou no telemóvel?
2. Porque muitos casais com filhos quase nunca mantém conversas amenas de interesse mutuo quando saem, e limitam-se a dirigir-se ao objecto comum que é o filho?
3. Qual é o sentimento, para além do amor, claro, que faz os pais babarem pelos seus filhos?
4. Os país amam os filhos de igual modo. Mas porque eles babam mais por um do que por outro?

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Uma viragem do Direito Internacional para a música internacional

 Foto: Ismael Miquidade

Certa manhã de Outubro de 2008 vi por acaso o músico moçambicano Moreira Chonguiça num dos hoteis de Maputo. E nesse momento o vendedor de uma discoteca, que por acaso conheci naquele dia, muito simpático, actualizava-me sobre as produções dos nossos músicos, e disse-me nesse instante: "O Moreira lançou o último album ontem!" Fui ter com ele rapidamente e claro, cravei-lhe uma entrevista! Pedi que me fossem buscar o gravador a casa rapidamente, e lá estive eu numa descontraida conversa de mais de 20 minutos, com alguém que já se sentou ao meu lado nos bancos da escola.  Hoje depois de três anos publico aqui a conversa...

Nádia Issufo: Moreira Projecto II é o nome do teu mais recente trabalho. Como foi faze-lo?
Moreira Chonguiça: O Moreira Projecto-Citzen of the world é a continuação do Moreira Project- The Journey. Acho que cresci como músico, e em termos de colaborações e influências acho que expandi um pouco. Neste album tenho a participação de Manu Gibango, Nadji, do Simba, Jaco e outros músicos de Cape Town e de Moçambique que trabalham comigo e tive a chance de fazer a masterização em Paris, então acho que cresci como ser humano e automaticamente isso me influenciou como artista.

NI: Qual o significado da participação desses grandes nomes no teu album, olhando para trás?
MC: Não há palavras que descrevam, mas posso dizer que me sinto muito honrado e abençoado e sinto que é possível, que tenho de continuar com seriedade e o resto vai acontecer.

NI: Qual é mensagem que tu passas nos teus dois volumes?
MC: No primeiro album é que estamos a viver  momentos interessantes nos últimos dez anos, a guerra do petróleo, os fenómenos naturais, a instabilidade financeira na Europa e Estados Unidos, que afectam os africanos, as diferenças sociais, as instabilidades políticas e religiosas. E eu antes de ser músico sou um ser humano e sou influenciado por essas coisas. E é em momentos de tensão que os seres humanos tem de se juntar e se proteger, por isso chamo o album de "Cidadão do Mundo". No fim do dia somos todos cidadãos do mundo, e acredito que apesar de ser moçambicano e residir na África do Sul faço música para o mundo, e inspiro-me nesses factores todos.

NI: Sei que o teu no album foi lançado no último domigo, dia 19 de Outubro (2008). Como foi recebido?
MC: Foi uma honra tocar em Moçambique para este público maravilhoso que vem acompanhando a minha carreira, acho que tu também, desde que estava na escola, e hoje já estamos na casa dos trinta, e há pessoas que se sentem orgulhosas pelo que faço, por levantar a bandeira de Moçambique além fronteiras. É difícil tocar em casa, conheço 90% da plateia, e ela não se queria ir embora. Eu adoro esta interactividade com o público moçambicano.


 Foto: Ismael Miquidade

NI: O teu nome cresce a cada dia. Fala-me da tua carreira desde o início...
MC: A grande influência na minha carreira são os meus país, em particular o meu pai e o meu tio. Eu cresci numa casa em que se ouvia boa música, graças a Deus. Mas quando tinha sete anos, por inciativa do meu tio o meu pai matriculou-me na escola de música e só estive lá  três anos. No terceiro ano pagava, mas não ia a escola, eu detestava música. Então a escola ligou para o meu pai a contar, e ele perguntou-me se não queria ir a escola de música e eu disse que não, que queria jogar futebol. Mas lembro-me que quando tinha 14 ou 15 anos fui registar-me na escola de música novamente. E a partir dai o resto é história, foi a partir dai que começamos as estudar juntos na Maxaquene e Josina Machel, mas também estava a estudar música e inglês e comecei a tocar com as maiores bandas de Moçambique, desde o Stewart, Ghorowane, Salimo, Kapa Dech, Clube Jazz de Maputo, etc. E no final do ensino secundário eu sonhava fazer o curso de Direito Internacional, mas olha para mim hoje, sou músico estudei isso na Universidade de Cidade do Cabo tenho dois diplomas, um em Jazz e outro em etnomusicologia, hoje resido lá onde tenho a minha editora, o meu primeiro disco foi bem recebido na África do Sul, fui nomeado para três Grammys para a melhor música instrumental de Jazz, para melhor Album contemporâneo de Jazz, e para melhor produtor. E ganhei o prémio de melhor produtor o ano passado, eu não posso reclamar, no final do dia eu sigo o meu coração, a minha paixão e respeito os meus ancestrais.

NI: E como tens usado o legado que os teus ancestrais te deixaram em termos de música?
MC: Priemiro é respeito ao próximo, eu digo aos mais jovens que somos seres humanos primeiro, não se fiem na fama e no estrelismo, são partes do precesso, mas temos de respeitar o próximo, e isso os nossos ancestrais ensinaram-nos, e se não perdemos isso o resto corre muito bem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Estrelinhas com dimensão de Cometas

Existem poucas estrelas em África, e as poucas quase se comportam como cometas, mas não "comuns" cometas passageiros. Pelo menos o céu dos PALOPs mostra isso.
Refiro-me as nossas estrelas de televisão, rádio, cinema, etc. No caso dos galácticos da media é ainda pior, vemos os nossos jornalistas e apresentadores colocarem-se em pedestais e chamando eles próprios os "crentes", que por sua vez se prostam, lambendo-os numa atitude quase servil. Cada vez mais me convenço que venerar humanos nesses países é genético...

E essas estrelas se consideram autoridade em tudo, que nem páram para ver o que passa a sua volta, que o mundo evoluiu que já começa "orbitar" a sua volta gente muito capacitada, e até melhor que eles.

Tratam também os não crentes como "crentes", dizendo coisas do tipo: "os jovens deviam ler isto, saber aquilo" não no sentido construtivo, mas numa atitude arrogante, como se todos os jovens fossem completos ignorantes. Embora reconheça que os jovens cada vez tem menos coisas na cabeça.

Pior do que isso é vê-los, quase que forçosamente, exibirem-se com falta de humildade e classe nas redes sociais, dizendo: "eu sou..." ou "porque não me consultaram sobre tal assunto, estava mal feito, teria vos ensinado..." ou ainda "faço coisas boas...". Também já lidei com estrelas que me orientaram a ir ao google e pesquisar o seu nome que ia dar o número de publicações, formação, etc, quando o assunto nem era a sua pessoa, mas sim outro caso.

Porque isso acontece?
São poucas as pessoas que tiveram ou que tem a oportunidade de estudar, que são esclarecidas ou que tem o conhecimento que o "mundo" convencionou. E no reino dos cegos quem é zarolho é rei. Então, os que vem com dois olho ou com um, abusam da sua condição para dominar o resto, como que se as pessoas, os "crentes", a sua volta fossem a maquilhagem que lhes garante os elogios do espelho todos dias quando perguntam: "espelho meu, espelho meu: existe alguém melhor do que eu?"

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Jogos Africanos

Espantei-me ao ver gente a congratular as autoridades moçambicanas por terem construido as infraestrururas para acolher os X Jogos Africanos em tempo recorde. Isso demonstra que o nosso lema continua a ser fazer coisas por cima do joelho, acreditamos que isso é uma virtude, e por isso o resultado de tanto improviso é muito mau. Também vimos atletas denunciarem as precárias condições organizativas do evento em jornais online africanos, e algumas pessoas já previam que a media de países mais exigentes e mais organizados fosse colocar o dedo na ferida, comparando-a como a hiena pronta  a dar o bote, sem antes se lembrar que Moçambique se dá o bote a si mesmo dia sim, dia sim.

A "CORJA"?
Será que o COJA, o Comité Organizador do Jogos Africanos, deve ser parabenizado por ter conseguido fazer uma omolete sem ovos, ou será que merece que lhe atirem com os ovos a cara?
Vimo-lo fazer um grande jogo de cintura para que os motoristas que trabalhavam no evento nao entrassem em greve por falta de pagamento, como também se viu o pessoal voluntário do protocolo ter de se "desenrascar" a altas horas da noite para regressar da Vila olimpica para a casa porque o COJA nao teve a decencia de lhes providenciar o transporte.

Jogos desportivos ou políticos?
É de se questionar o facto do governo mocambicano ter gasto mais de 400 milhoes de dolares, a custa também de endividamentos, com infraestruturas, sem que investisse pelo menos um quarto desse valor com as medalhas. Isso é como dar um tiro no próprio pé, aliás um hábito suicida que o país nao descarta. Fala sempre em tirar vantagens de grandes eventos, e no final fica com desvantagens, pelo menos a curto prazo. O exemplo mais gritante foi o do mundial de futebol da África do Sul, em que apostou num marketing arrojado, para nenhum resultado. Nos jogos Africanos vimos os judocas mocambicanos aflitos até ao último minuto porque o equipamento para a competicao nao tinha chegado e era preciso que as autoridades interviessem. Nao é revelador este facto?

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O cinismo da ONU


Foto: Ismael Miquidade

Ban Ki Moon, o secretário geral da ONU, deu carta branca para o Ocidente fazer o que quizesse na Líbia, através de NATO,  e agora que o principal objectivo deles foi alcançado, a ONU pede uma investigação sobre a morte de Mouammar Kadhafi. Estamos a brincar ou o quê?

Onde está o TPI?
Cobrar justiça, prisão, etc, só serve para os líderes africanos, como agora o Tribunal Penal Internacional, TPI, anda a caçar Omar al-Bashir, mas com muita classe os governos africanos estão a fazer Luiz Moreno Ocampo "apanhar do ar", como se diz. Provavelmente não sabem da existência da NATO que matou civis de forma indiscriminada, incluindo crianças, na Líbia e não sabe que mata no Afeganistão.
Tal como nunca ouviram falar em George W. Bush e da sua invasão ao Iraque marcada por atrocidades. E no caso da Líbia devia mesmo ir aos bancos dos réus o secretário geral da ONU. E depois continuamos a ter em alta estima organizações destas.

Serviço mais sujo para os líbios
A NATO abriu caminhos para que o CNT, o Conselho Nacional de Transição, tomasse o poder e matasse o presidente. A guerra "desumaniza", e conscientes disso o Ocidente preparou o terreno para que fossem os próprios líbios a eliminarem a persona non grata, enquanto assistiam de camarote. Um espetáculo aguardado há muitos anos.

A atracção turística
O Homem por regra trata com respeito um cadáver, e as religões também sugerem isso. O Islão, que eu conheço, e que os líbios também conhecem, mais ainda. Para onde foi então este respeito, delicadeza e bom senso? Fotografaram-no como se de uma atracção turística se tratasse, o seu corpo tratado pior do que um cão atropelado. O CNT não mostrou maturidade nem preparo neste caso.

Prontos para dar o bote
Sãos os "líderes mundiais" esses. Eles discutem agora o futuro da Líbia depois da morte do seu presidente. Como se não existissem cidadãos líbios para organizarem o seu próprio futuro. É verdade que mataram muito, mais ainda sobrou gente para tal... nem que seja o CNT sozinho!
Resta agora saber até que pontos o CNT é independente e capaz de andar com as suas próprias pernas. Ou será que vamos ter mais um show de marionetes?
Mais sobre este último tópico leia em:
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15477044,00.html

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Asfixia da Democracia em Angola

"Corrupção em Angola: um impedimento para a democracia" é o titulo do mais recente artigo divulgado pelo defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques. No documento ele denuncia, mais uma vez, as irregularidades cometidas por altos dirigentes de Angola nos seus negócios, num desrespeito as leis. Rafael Marques, numa entrevista a DW conduzida por mim, começa por explicar como esta cadeia de irregularidades e corrupção são nocivas a democracia:



Rafael Marques: A razão principal da asfixia da democracia em Angola tem a ver com a necessidade de proteção dos negócios privados dos dirigentes angolanos. Temos estado a ver, desde 1992 que, praticamente, os dirigentes do MPLA têm estado a privatizar o país em seu favor, para o enriquecimento pessoal. Estamos a falar de umas poucas famílias, por exemplo, grande parte dos negócios estão em nome da filha do Presidente da República, outros negócios estão com uma dúzia de generais e ministros. Não há possibilidade de coexistência de uma verdadeira democracia onde haja um poder judicial autónomo e esse tipo de saque que se verifica no país. Porque havendo democracia no país, certamente haverá autonomia do poder judicial e estes casos poderão ser levados a tribunal.

NI: Até que ponto as leis anticorrupção são porosas em Angola e abrem espaço para a corrupção ao mais alto nível?
 RM: As leis são claras. Dizem claramente que é proibido ao dirigente, ao funcionário público fazer negócios consigo próprio enquanto estiver a representar o Estado. Na prática as coisa são diferentes – é uma prática de impunidade. Fazem-se leis muito bonitas, leis que podem ser apresentadas no estrangeiro para dar uma imagem de seriedade do regime, mas a prática é baseada na impunidade que o poder militar, o aparelho repressivo lhes confere.

NI: Perante estas afirmações, que credibilidade tem o poder judicial em Angola?
 RM: Não tem credibilidade absolutamente nenhuma. Começando pelo próprio Procurador Geral da República, que também tem negócios particulares e cujas empresas privadas também prestam serviços à própria Procuradoria Geral da República, como menciono no texto. E eu tento explicar isso neste ensaio sobe a corrupção e a democracia em Angola. Um dos maiores artifícios do Presidente para se manter no poder durante 32 anos foi garantir que todos aqueles que têm acesso a um cago público sejam corruptos e ele tenha provas dessa corrupção, de forma a poder chantageá-los. Então o juiz não pode julgar porque é corrupto e o Procurador Geral da República não pode dar seguimento a uma queixa, a menos que o Presidente autorize, porque também é corrupto. E assim se cria uma cadeia em que a corrupção destrói a possibilidade desta sociedade organizar-se e de ser gerida de acordo com princípios e com valores morais.

NI: O presidente angolano mostrou nesta terça-feira abertura para o diálogo com os manifestantes e o Tribunal Supremo também decidiu recentemente inocentar os manifestantes condenados a prisão. Qual a sua opinião sobre esta posição de José Eduardo dos Santos e do Judicial?
RM: Demonstra o cinismos do presidente da República e a sua falta de respeito pelo sofrimento dos compatriotas que diz respeitar. Primeiro porque não houve nenhuma demosnstração do bom funcionamneto do sistema de justiça porque os manifestantes cumpriram os 45 dias de cadeia a que foram sentenciados. O Tribunal Supremo não respondeu nos prazos devidos para impedir que estes cumprissem a pena por um crime que não cometeram, e não se pode dizer, depois destes terem cumprido a pena, que o Tribunal Supremo tenha os mandado libertar. Eles sairiam porque cumpriram a sua pena. Há um caso de poucos individuos que deviam cumprir a pena de 45 dias e cumpriram a metade. O Tribunal Supremo só quiz mostrar que exerce o seu poder com autonomia, o que não é verdade. E também isso foi para permitir ao presidente da República dizer no seu discurso que há democracia em Angola, e não há nada Democracia! E mais, o presidente em Tribunal não foi honesto com a sociedade, ele não tem nenhum mandato legítimo, ele foi eleito como deputado em 2008, e por não ter tomado posse perdeu o seu mandato, o único cargo electivo ao nível da função pública que ele alguma vez teve. Ele está há 32 anos  no poder sem nunca ter sido eleito por voto popular ou outro mecanismo previsto no ordenamemto jurídico angolano. E foi uma mentira tentar explicar que está a exercer o poder de forma legítima, porque não está.

NI: Acredita que este movimento contestatório contra a presidência de José Eduardo dos Santos tem força para conseguir derruba-lo?
RM: O objectivo principal daqueles que manifestam não deve ser o presidente, o presidente é uma pessoa, mas sim deve ser a mudança de consciência, porque no dia em que os angolanos fizerem isso e perceberem o futuro que tem pela frente e o que devem fazer em termos de bem estar comum, a questão do presidente estará ultrapassada. Ele é apenas um Homem, e só consegue abusar tanto a sociedade porque ela está dividida, não tem liderança, não consegue reger-se por uma visão comum que seja benéfica para o próprio país. Foram muitos anos de subserviência, a viver de corrupção, muitos estudantes não precisam de estudar e pagam para passar de classe, então há toda uma distorção social e deo conceito de cidadania, porque hoje em Angola ser cidadão é ser do MPLA e quem não pertence a este partido não é cidadão.  E quando as pessoas mudarem essa mentalidade, o presidnete será apenas um homem e não terá a capacidade de humilhar um povo inteiro, porque ninguém permitira que isso aconteça, as instituições serão geridas de  acordo com os estatutos que deramn origem a sua situação. E a apartir dai acontecerá a devolução do poder as instituições do Estado e o presidente será mais um entre dezoito milhões e certamente será reformado por vontade própria ou de forma compulsiva, como a sociedade determinar em fiunção da sua mudança de consciência. Mas o fundamental é a sua mudança de consciência.

NI: Em relação a sociedade civil e outras vozes no país, o que se pode dizer em relação ao espaço que o país actualmente lhes oferece?
 RM: O espaço deve ser conquistado. Se não há uma sociedade civil e uma oposição forte em Angola é porque não há capacidade de organização e de gestão. Mesmo nos sistemas mais repressivos que o mundo já conheceu, sempre que se levantaram pessoas com capacidade de organização e que explicasse  a necessidade de uma luta para o bem comum, os regimes acabaram por ceder a vontade popular. O que acontece hoje é que a sociedade foi obrigada a profesaar o culto de personalidade. E isso foi uma forma expedita de tentar incutir na sociedade angolana que ninguém é mais cidadão que o presidente e ques e alguém sucedesse na sociedade era por obra e graça do presidente da República, como se ele fosse um Deus. É preciso retira-lo desse pedesteal, que as pessoas compreendam que ele é um homem normal com falhas gravissímas, e que não está capaz de gerir o destino de Anhola, e um homem que certamente será aconselhado a sair do poder porque não terá outra opção, senão cumprir com a vontade popular.

NI: Lançou recentemente um livro intitulado "Diamantes de Sangue", num país repressivo, como se diz que Angola é, como o Rafael consegue se manter vivo e até publicar um livro em que denuncia irregularidade dos vários quadrantes da vida angolana?

RM:  Mesmo na Coreia do Norte para onde enviaram chineses para os campos de concentração, na China, na ex-União soviética, em Cuba, não é e nunca será possível matar todos aqueles que lutam pelo bem. E porque aqui é uma questão de dizer claramente a estes individuos, eu estou em Luanda e estou a dizer, é um trabalho que eu fiz, tenho provas, os generais angolanos estão envolvidos em crimes contra a humanidade, em casos gravissímos de tortura, homicídios sistemáticos de populações inocentes, tudo isso para ganhar mais dinheiro com a venda ilegal de diamantes. 




Para ouvir uma parte desta entrevista consulte o seguinte endereço: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html
Selecione a emissão da manhã do dia 20 de Outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Hosi hi Hosi...



Quem merece uma estátua é o povo moçambicano por aguentar tanta agressão do seu governo. Este decidiu levantar 11 estatuas de Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique independente, em jeito de homenagem pela passagem dos 25 anos da sua morte.

Onde vão buscar o dinheiro para tantas toneladas de material ninguém sabe, mas de certo é nos bolsos do moçambicanos que nem sequer foram consultados sobre a edificação das mesmas, e mesmo assim estamos num país democrático. Provavelmente o governo da Frelimo sabe que muitos moçambicanos, que não tem memória curta, iam se opor, afinal campos de reeducação, enforcamentos, etc, criaram revoltas, que o digam alguns escritores moçambicanos e líderes da oposição...

Mesmo os que não tem muito por reclamar sobre a governação de Machel, lutam contra a pobreza nas suas mesas diariamente, como pede o presidente do país, Armando Guebuza. Se o país está em crise porque gastar com inutilidades? Sim, inutilidades.
A quem se esconda por detrás de falsos nacionalismos para justificar as onze estátuas. E no caso da cidade de Maputo, não entendo porque foi edificada a segunda estátua, daqui a pouco uma estatua estará para um habitante... Uma pouca vergonha!

Não mudou nada. O governo da Frelimo quer perpetuar forçosamente a cultura do endeusamento aos dirigentes do país, dos deuses vivos e até dos mortos! Tal como acontece na crença da maioria dos moçambicanos, onde os antepassados são os seus guias e seus deuses, isto mostra como o poder político sabe manipular as crenças populares para se manter. Estas estatuas sao simplestemente, em termos simbólicos, o pedestal.

Repito sempre isto: há mais de 10 anos, numa conferência, um académico disse que em África a mesma palavra para designar chefe, é a mesma para designar Deus. Mais palavras para quê?

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O balão de ensaio da Frelimo

Depois de dois anos de muito segredo, a Frelimo apresentou na última quinta-feira a sua proposta de revisão da Constituição. O partido no poder em Moçambique, surpreendentemente, não apresentou nada de significativo, contrariado as expectativas negativas da oposição e os moçambicanos, mas sim, apenas, propostas de mudanças de forma, como por exemplo as designações dos órgãos de justiça. No país se especulava que o partido no poder iria propor o aumento de mandatos presidenciais. A ser verdade, o que terá feito a Frelimo mudar de ideias? O constitucionalista e professor catedrático na faculdade de direito da Universidade Eduardo Mondlane, Gilles Cistac, numa entrevista a Deutsche Welle conduzida por mim, responde:

Gilles Cistac: O único motivo da revisão era o terceiro mandato consecutivo do presidente da República, houve um debate no país feito pela sociedade civil, a opinião pública e pelo partido no poder, sobre a possibilidade de se atribuir um terceiro mandato, actualmente a Constituição do país limita dois mandatos consecutivos. Agora esta proposta que foi um balão de ensaio não colhia muito apoio por isso o partido no poder recuou na sua proposta, e também por isso o que temos na mesa é uma proposta de circunstância para não recuar neste projecto de revisão constitucional, ela é apenas uma revisão formal.

Nádia Issufo:  Especulou-se muita coisa em Moçambique, entre elas a possibilidade de a Frelimo propor uma eleição presidencial por sufrágio indirecto, ou o aumento de mandatos como disse. É possível estabelecer um paralelo entre um possível recuo da Frelimo na sua resposta e a dependência económica do país em relação ao ocidente que exige mais democracia?
GC: A razão da resposta do governo era também a tendência de alguns países doadores de pressionarem o governo a chegar a uma revisão do sistema do governo para ter um sistema mais equilibrado do poder, para uma maior descentralização do poder do presidente com vista a um sistema semi-presidencial ou parlamentar. Existem vários parametros a serem tomados em conta, vamos entrar em campanha eleitoral com vista as autárquicas intercalares e depois entramos para campanha com vista as eleições gerais, será que este é o momento oportuno para debater uma reforma profunda do sistema do governo? Isso é muito prematuro dizer.

NI: A oposição e constitucionalistas moçambicanos defendem a separação de poderes (legislativo, executivo e judicial) e a despartidarização do Estado, facto que não consta da proposta de revisão da Frelimo. Qual a sua opinião sobre esta situação?
 GC: Claro que a proposta da Frelimo não mexe com isso, apesar da Constituição consagrar a separação de poderes. Estamos numa situação em que todos os poderes do Estado são controlados pelo partido no poder.

NI: Até que ponto a interdependência entre estes três poderes põe em causa a democracia e a transparência em Moçambique?
GC: O poder executivo intervem no poder legislativo por lei, o presidente da República também, o presidente pode dissolver o Parlamento, mas este último não pode dissolver o poder executivo, e isto afecta o funcionamento das outras instituições, cria uma dependência em relação ao poder executivo e principalmente do presidente da República que concentra os poderes de nomeação dentro das suas competências.

NI: Sei que defende a adopção de um sistema semi-presidencialista. Porque?
GC: Porque é o sistema mais ponderado dos poderes, isso significa a responsabilidade directa do governo perante a Assembléia da República, e esta podia adoptar uma monção de censura contra o governo, mas também acho que é preciso introduzir algumas figuras de democracia participativa,  por exemplo tendo uma participação do povo na iniciativa legislativa.

Nádia Issufo: Os partidos políticos da oposição no Parlamento, que são a minoria, não como fazer para querever os pontos criticos da Constituição. Quais seriam as outra formas, num país democrático, de se pressionar, não só a oposição, a uma revisão da lei mãe?
GC: A oposição no Parlamento também pode desenhar o seu próprio projecto, o problema é que a Renamo decidiu não participar do processo de revisão, só o MDM é que participa deste projecto com um membro e 16 são da Frelimo. Será que o MDM quer depositar uma contraproposta? Pode fazer isso, mas o interesse neste processo é que publicamente todos o cidadão moçambicano pode depositar a sua proposta. Por isso lanço um apelo que o façam na comissão ha-doc da revisão da Constituição. Algumas organizações não governamentais já trabalharam sobre este processo, falo de um projecto muito desenvolvido do GDI, Instituto para o Desenvolvimento para a Democracia e Governação em Moçambique, que fez uma proposta de revisão global da Constituição, introduzindo várias inovações. Penso que esta organização vai entregar o seu projecto daqui há duas semanas, que pode suscitar o debate, e isso é que é interessante, porque de uma forma geral os moçambicanos são apaixonados pelo problema da Constituição. E isso pode alterar, talvez, o ponto de vista muito restrito que o partido no poder está a apresentar.

Para ouvir uma parte desta entrevista consulte o seguinte endereço: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html
Selecione a emissão da noite do dia 17 de Outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O dia da revelação...

 Foto: Ismael Miquidade

A Frelimo, o partido no poder em Moçambique, finalmente hoje vai por termo ao "suspense" que faz há meses sobre o que quer mudar na Constituição do país. As mudanças a serem propostas estão "nos segredos dos Deuses", tanto é que alguns simples deputados do próprio partido não as conhecem, ou pelo menos dizem a imprensa que não as conhecem.
Enquanto isso, o espaço para a especulação aumenta, certamente que a Frelimo não vai propor a diminuição dos poderes do presidente da República, como deseja a Renamo ou o MDM, os partidos da oposição mais importantes. Pelo contrário, provavelmente vai propor mudanças que permitam ao partido se "entranhar" cada vez mais no poder, aliás, facto que já está a acontecer de forma desavergonhada, como a implantação de células do partido nos órgãos da função pública, a cobrança de contribuições salariais dos funcionários públicos para os seus cofres, entre outras estratégias. E a oposição  também não pára de contribuir para a fortificação da Frelimo com as suas constantes cisões e fragilidades que os deixam com pouca credibilidade no país.
Será que Armando Guebuza ou o seu partido, a Frelimo, vai adoptar o sistema de eleição presidencial por sufrágio indirecto, em que o presidente é indicado pelo Palamento? Já a sua congenere angolana MPLA deseja(va) seguir este modelo que vigora na África do Sul, despoletando um grande celeuma no seio político angolano. Outra possibilidade seria aumentar o número de mandatos presidenciais, o que acho impossível, afinal Moçambique já atingiu "niveis de democratização aceitáveis internacionalmente" ou "recomndáveis", um retrocesso significaria um corte de ajudas financeiras e um isolamento político do país, o que o governo moçambicano certamente não desejaria nunca, ainda por cima agora que o descontentamento popular aumenta por causa do encarecimento do custo de vida e também em relação a actuação do governo, agora não mais respeitado no país. Não nos esqueçamos que as manifestações de 1 e 2 de Setembro de 2010 ainda estão vivas na memórias dos moçambicanos, incluindo os governantes...
Mas também convém lembrar que o governo moçambicano está muito empenhado em ser auto-suficiente, para se livrar, justamente, da dependência externa. Entretanto, este é um longo processo penoso que está na consciência dos dirigentes moçambicanos.
Mas até que não é de todo absurda esta suposição de aumento de mandatos, a participação do presidente Armando Guebuza na cena empresarial moçambicana é cada vez mais notória, numa altura em que o país APENAS abriu a fase da sua "caça ao tesouro"...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Mayra Andrade conjugada no mais que perfeito



Linda voz rouca, capaz de conduzir qualquer um por agradáveis caminhos desconhecidos, canta muito bem, tem capacidade natural de improviso, sintónia espontanea com os elementos da banda, excelente comunicação com o público, explora inteligentemente elementos de união entre ela e os espectadores. Essa é a Mayra Andrade, a cantora cabo verdiana, da nova geração, que provavelmente tem mais visibilidade e projecção internacionalmente.
Embora eu não entenda nada de música, mas adore, notei também que a sua banda era bastante profissional, que a música da Mayra é muito misturada, mas também muito refinada em termos instrumentais. Quem presta um pouco mais de atenção nota grande categoria quando executa notas do samba, do kwassa-kwassa, da morna, ou até do fado.  

O berco
A postura de Mayra Andrade denuncia preparo académico de qualidade, actuou na última sexta-feira em Bona, cantando quase sempre em Crioulo, outras em Francês, ora dava uma raras oportunidades ao Português, e expilcou ao público, em Inglês, que não fala Alemão porque a sua língua de ensino foi o Francês...
Alias, um público, que na sua maioria, se revelou! Ou até nao... A cantora apresentou os membros da sua banda, e quando chegou a vez do homem do cavaquinho, ela disse que ele era brasileiro e entao o público aplaudiu calorosamente, mas quando ela explicou que era de origem siria, a reaccao em uníssono foi: Ohhhh... E ela perguntou: "Ohhh o que?". E estes continuam a ser os alemaes...

Percebi também, pelo diálogo que estabeleceu com os espectadores, que teve oportunidades diferentes da maioria dos africanos. Por exemplo, contou que quando tinha 12 anos tinha visitado o museu onde naquele dia atuava. A sua elegância e bom gosto ajudam-me a confirmar as minhas suspeitas. Maquilhada com discrição e bom gosto, trazia um vestido de noite longo, preto e muito elegante, com alcinhas finas de pedras, nos pés delicadas sandálias prateadas. Unhas discretamente pintadas e bem tratadas e um anel discreto no dedo. Classe e perfeição, aliás esta aparência combinava com a sala onde actuava. Mas isto é que foi para mim a decepção.
Sou do tipo que nalguns aspectos é alimentada de esterotipos, para mim artista tem de ser diferente, para ver "pobres mortais" não preciso de pagar, vejo-os todos os dias na rua, ou então em casamentos quando sacodem as poeira das suas elegantes roupas há muito tempo confinadas no guarda-fatos. Esse foi o único balde de água gelada sobre o meu entusisamo. Depois percebi porque quando convidei a Carla a vir comigo ao espetáculo ela recusou-se e disse: "ela é sem sal."

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Mia Couto de lupa na mão...

Esta é a segunda parte da conversa com o escritor moçambicano Mia Couto. Aqui largamos, aos poucos, o mundo das artes e entramos para o mundo "real", queria ouvir a sua opinião sobre o caminho que o seu país segue... 

 Foto: Ismael Miquidade

Nádia Issufo: Trabalha com o grupo de teatro Mutumbela Gogo, como vai essa parceria?
Mia Couto: Quase que fui dispensado, no bom sentido, eles se tornaram independentes. Eu fiz parte do grupo que criou o Mutumbela Gogo, era uma espécie de escritor de serviço, as vezes nem escrevia o texto todo, escrevia uma base e discutia com eles e eles depois constituiam os personagens e eu escrevia dai alguns diálogos e outros componentes necessários. Agora eles se tornaram muito mais autonómos e estão a buscar textos de outros, e na altura também não havia textos escritos por dramaturgos moçambicanos, não havia dramaturgos em Moçambique, e pensamos: vamos ficar a espera de dramaturgos? Não podiamos, era preciso inventar, e o texto dramático nascia, e eu fui um dos obreiros desse processo, e nascia do próprio conto, das histórias que ouviamos e o Mutumbela foi fantástico, acho que vai ficar na história do teatro moçambicano, porque ele foi capaz de romover este circulo vicioso, de derrubar esta barreira, saltar uma ausência e isso vai marcar a história do teatro moçambicano.

NI: Os seus livros têm sido adaptados para filmes, para peças de teatro. Como é que se sente? 
MC: Eu quase não vejo. Não no sentido negativo. Mas quando isso acontece eu procuro afastar-me. Porque essa outra obra tem que ter autonomia, tem que ter um outro registo, uma outra lógica. Se eu estiver presente, eu vou querer que aquilo seja o livro, prolongado e atirado para um outro contexto.
 Acho que a minha sabedoria é afastar-me, e quando o produtor de teatro ou o cineasta me pede para eu estar presente, para eu dar algum apoio, eu faço-o. Mas faço como um escravo, como alguém que está ao serviço desse outro criador. O meu momento de criação já foi: foi o livro. Quando estou a ver um filme ou uma peça de teatro feita de um livro meu não vou com expectativa de reencontrar coisa nenhuma. Quero inclusivamente que seja uma coisa de um outro.

NI: Convido a fazer um raio-x da situação sócio-política e cultural do seu país...
MC: Moçambique vive uma situação muito difícil de definir num retrato simples. Há uma situação muito contraditória, há muita coisa positiva, que é até sinal de orgulho, conseguiu-se a paz, um sistema multipartidário, conseguiu-se instaurar uma base legal da democracia, ainda não há uma cultura de democracia, mas isso não é feito pelo governo e isso é feito pelo tempo que ainda não tivemos. Eu acho que isso é bom, e se tivermo tempo e estabilidade isso vai trazer resultados e seguramente, mas por outro lado tenho dúvidas que o modelo de economia e de gestão que adoptamos nos conduza ao objecto do nosso discurso, o discurso sobre a pobreza e de criação de riqueza social, eu tenho duvidas que isso esteja a ser conseguido da maneira que se pensa que se está a conseguir.

NI: Falou agora em economia, dois assunto actuais em Moçambique são a renegociação dos megaprojectos e as desigualdades sociais. Como o Mia vê esse assunto?
MC: Acho que isso deve estar na agenda, deve-se repensar nos grandes projectos, com os grandes investidos, porque é óbvio que na altura quando o governo começou a atrair o investimento tinha de criar atrativos muito especiais. Moçambique tinha saído da guerra num contexo regional instável, e é natural que os investidores não tivessem confiança. E agora que os investidores já estão cá ha alguns anos, vê-se que deixam muito pouco para Moçambique e alguns desses recursos são findáveis e fica muito pouco para o país, para além de que é injusto que haja facilidades para estes grandes investidores, enquanto os pequenos empresários tem de pagar taxas. E há contas feitas, economistas já nos mostraram que bastava que eles deixassem um pouquinho mais em termos de contribuição fiscal para que Moçambique estivesse noutra situação. Então acho que isso tem de ser rediscutido, acho que a desigualdade é um modelo que escolhemos. Acho que desigualdade é uma consequência de um modelo que escolhemos, a desigualdade não é coisa particular da nossa sociedade, se formos a qualquer país, países que sao apontados como as economias emergentes, são países de profundas desigualdades e não só, o mundo que eu visito, com excepção de alguns países do norte da Europa, são realidades muito chocantes, porque nós pensamos sempre que o retrato que eles criaram de si próprios como primeiro mundo, como se todo mundo vivesse como uma elite, não é verdade, há aqui uma coisa que não pode ser acusada particularmente a Moçambique.

NI: Outro tema actual é a cesta básica. Tem uma opinião formada sobre este assunto?
MC: Acho que houve uma certa ligeireza no tratamento deste assunto, este governo não pode declarar medidas que depois são requestionadas e a sua aplicação tão complicada que depois põem em causa aquilo que é muito sensível para as pessoas. A cesta básica para uma pessoa como eu, previlegiado nesta sociedade, não me toca, toca em forma de solidariedade para com os outros que são mais pobres do que eu, sim, mas eu não deixo de comer todos os dias porque não tenho a cesta básica. Talvez a intenção fosse boa, acredito que sim, porque também não é uma especificidade deste governo estar a aumentar os preços das coisas básica, é uma condição a que são obrigados estes países da periféria e não somo só nos. O que é triste ver, para mim, é que uma medida destas que deveria ser pensada com detalhe, com seriedade e com respinsabilidade desde o principio esteja agora a ser posta em causa e não se sabe exactamente como se vai aplicar e isso cria um sentimento de insegurança, de instabilidade que possibilita outras manifestações de rua como tivemos em Setembro do ano passado.

NI: As manifestações de Setembro último foram as mais violêntas da história de Moçambique. Este acontecimento terá desencadeado uma mudança no relacionamento entre o governo e a população?
MC: Devia ter sido algo mais forte, porque me paraceu que a elite moçambicana não respondeu da mesma maneira, acho que houve uma parte dela que pensou sim,  que foi obrigada a pensar naquilo que foi algo escandaloso, vejo estes dirigentes viajarem em primeira classe, provocando gastos realmente surpefluos, pedindo aos outros que façam sacrifícios quando eles não fazem nenhum. E quando houve uma reacção, ela foi completamente negativa, de recusa da realidade, de fuga. A segunda vez que o governo vem dizer que aceita inclui já no pacote medidas que para mim eram um sinal de que havia uma certa revisão dessa atitude de esbanjamento de gastos inaceitáveis no que se refere a coisa pública. Mas acho que isso foi sol de pouca dura, porque a tentação desta elite é ver nos cargos políticos uma espécie de oportunidade de enriquecer rápido, então era preciso uma pressão contínua de partidos políticos, da sociedade civil, da opinião pública. No fundo esta elite não é diferente das outras, diz-se que as elites africanas são assim, não são. Todos o mundo tem os mesmos defeitos, gostam dos mesmo luxos e se fosse possível viviam na maior dessas situações de luxuria, com grandes carros, grandes casas, querendo enriquecer, todos o querem da mesma maneira. Nos outros países existe uma maior controlo social, o peso da opinião pública e da dinámica política entre-partidária aqui ainda não é forte, esta elite ainda se sente muito a vontade para fazer o que quiser.

NI: A pressão dos doadores internacionais e da sociedade civil para maior transparência, boa governação e domocracia aumenta. Para si já são visiveis os efeitos desta pressão?  
MC:  Há, mas eu acho que a pressão dos doadores é uma pressão ditada por razões ditadas por interesses próprios, não estão a defender grandes interesses morais, porque se o estivesses a fazer, por exemplo, pressionaram muito Angola e de repente transformou-se numa nação muito poderosa, com grandes capacidades de exportação de petróleo, e já mais ninguém pressiona o país, e os doadores internacionais já não vão pressionar grande coisa Angola. A Guiné Equatorial é um acsao tipico de uma ditadura inaceitável, mas os doadores internecionais, eu não gosto deste nome porque ninguém dá nada a ninguém, mas chamemos-lhes assim, tinham uma campanha sistemática de pressionar para que a ditadura neste país fosse superada, e de repente encontrou-se petróleo lá, o ditador está lá, ninguém o incomoda, ele agora até é o presidente da União Africana. O que se está a ver agora com a Líbia, os países que se assumem como comunidade internacional, que estão a frente do mundo, estão preocupados em defender os civis, mas as armas de Kadhafi que estão a matar os civis, quem é que as vendeu? Foram eles mesmos. Portanto, há aqui uma situação de cinismo e hipocrisia. Então, eu não estou a espera dos doadores internacionais para endireitarem o mundo.