segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Economia moçambicana: As áreas nubladas

Em Moçambique os doadores devem cobrar resultados do governo e fazê-lo sentir as consequências se o dinheiro por eles disponibilizado não fôr bem aplicado. Quem assim o diz é o economista e consultor alemão, Friedrich Kaufmann. O consultor acrescenta que se tal não acontecer os doadores correm o risco de perder credibilidade...
Os cerca de onze anos que passou em Moçambique conferem-lhe autoridade para fazer estas constatações. Friedrich Kaufmann trabalhou no GTZ, a cooperação técnica alemã, em Moçambique. O consultor realizou uma pesquisa intitulada "Estimular Empresários" (http://www.inwent.org/ez/articles/154528/index.en.shtml), em pareceria com Winfried Borowczak, onde apresenta alguns pontos problemáticos que afectam o sector económico do país. Um deles é a actuação do doadores nesta área. Conheça os pontos de vista de Friedrich Kaufmann:


NI: Em que medida as leis e regulamentos em Moçambique constituem um empecilho para o desenvolvimento económico?
K: Leis e regulamento são necessários numa economia para por normas, regular a competição dentro dos mercados, mas se estas forem exageradas então os custos para os empresários podem se tornar altos demais, limitando ou proibindo assim transações no mercado. Os economistas falam de custos de transação. Temos de ver um ponto equilibrado de regulamentação, não exagerar, e não fazer pouco, mas com qualidade. Este é o grande desafio para qualquer governo.

NI: Quais são os factores que minam o desenvolvimento do sector privado?
FK A regulamentação é um deles. Ainda temos em Moçambique muita burocracia, às vezes exagerada, às vezes a implementação não é correcta e não acontece com igualdade. Este é um ponto muito importante, se temos leis, regras e normas, então têm de se aplicar para todos da mesma maneira. Não fazer de forma estrita para uns e para outros nada. Isto constitui uma desmotivação, um problema de igualdade e dos custos ao final do dia. Outro problema tem a ver com a falta de qualidade e quantidade de factores de produção em Moçambique como infra-estruturas, mão de obra qualificada, coisas como água, energia, formação. Estes ainda são pontos fracos, sobretudo para pequenas e médias empresas são factores limitantes muito importantes.

NI: Diz no seu artigo, de uma maneira resumida, que o poder político está intimamente ligado a economia do país. Até que ponto este açambarcamento da elite política moçambicana é negativa?
FK: É um assunto muito complexo. Em principio não tem que ser negativo porque num país em vias de desenvolvimento a classe política ao mesmo tempo, como mostra a história, também pode ser a classe empresarial porque acumula capital. O grande desafio nestes contextos é abrir os mercados, garantir igualdade e justiça para todos. Então, um político que ao mesmo tempo é empresário não devia ter privilégios que proíbem aos outros que não tem estas ligações, estes contactos, ou possibilidades como políticos, sofram. E temos uma competição em pé de desigualdade. Assim, o político torna-se quase monopolista porque ele tem maneiras de limitar a concorrência de outros empresários. Então nesta fase de transição de uma economia e de desenvolvimento, é quase normal que a classe política que tem capital, que talvez tenha uma formação boa, possa ser empresária. O problema é que em muitos países é que esta classe política usa a sua posição na política para ter privilégios como empresários...

NI: Estamos a falar de tráfico de influência?
FK:Acho que é um termo apropriado para descrever este fenómeno.

NI. Como conhecedor da economia moçambicana pode dizer que falta transparência nas transacções?
FK: Sim, falta transparência. No caso de Moçambique há muitas queixas que os grandes contratos das minas, dos recursos naturais, não são públicos, não são conhecidos. O governo faz contratos com investidores tipicamente estrangeiros que tem capital, muitos políticos participam neste tipo de empresas, mas o público, a oposição e a sociedade civil não conhecem as condições, não sabem quem participa como, quem beneficia, quais as condições do contrato. Este é um exemplo da falta de transparência.

NI: Na sua publicação diz que a divisão de papeis entre Estado, o sector privado e a sociedade civil é muito nublado. A quem cabe, na sua óptica, a tarefa de clarificar e corrigir isto num país onde os órgãos decisores e que arbitram são nomeados indicados pelo poder político?
FK: No caso de Moçambique temos leis e uma Constituição que definem de uma maneira boa, acho eu, as funções, os papeis, e as responsabilidades. Só que na pratica, o governo, os partidos e os responsáveis estão a seguir ou respeitar estas regras. Então, uma das prioridades seria constituir um Estado de direito em Moçambique. E como o governo nem sempre segue este caminho, e num país como Moçambique que depende da assistência financeira e técnica dos doadores de outros países, os doadores também tem um papel importante para insistir no cumprimento de certas regras e da constituição de um Estado de direito, onde também o próprio governo, empresários que são políticos, tem de seguir estas regras. Fala-se muito também de conflito de interesses, que em todo o mundo é um grande tema quando os políticos se aproveitam da sua posição, entrando em conflito entre mandato e interesses privados. Neste caso considero que os doadores deviam tomar uma posição clara e mais firme.

Esta foi uma entrevista concedida a Deutsche Welle, a Rádio Internacional da Alemanha.

Pode ouvir parte desta entrevista em : 
http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html selecionando a emissão da noite do dia 26 de Janeiro de 2010.
Se quiser pode também ouvir uma peça com base na mesma entrevista no mesmo site procurando a emissão da noite de 12 de Janeiro.

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