terça-feira, 3 de março de 2015

Constituição moçambicana "possibilita" províncias autónomas

O constitucionalista moçambicano Gilles Cistac diz que, para criar uma "república autónoma", como pede a RENAMO, seria preciso mudar a Constituição. Mas isso não se aplica à criação de "províncias autónomas". 
 
Afinal, as exigências da RENAMO de uma governação autónoma nas províncias em que obteve a maioria dos votos nas eleições de outubro passado não são tão absurdas ou infundadas, como acusam os críticos. Quem assim o considera é o moçambicano Gilles Cistac. No passado dia 2 de Fevereiro entrevistei-o para a DW África. Ele diferencia o conceito de "república autónoma", termo que usa o maior partido da oposição, de "governação provincial autónoma".

DW África: O que diz a Constituição de Moçambique sobre regiões autónomas?
Gilles Cistac (GC): A Constituição não fala de regiões autónomas, por isso não devemos associar o conceito de "regiões" a autonomia. Senão, seria necessário fazer uma reforma constitucional. Mas é possível falar de "províncias autónomas", porque, segundo a alínea 4 do artigo 273 da Constituição, o legislador pode estabelecer outras categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação. Ou seja, hoje em dia há apenas autarquias locais de nível municipal, mas se, amanhã, o legislador quiser criar províncias como uma autarquia local pode fazê-lo. É possível transformar a província numa autarquia local, o que significa criar uma nova pessoa coletiva de direito público, uma nova entidade jurídica, com autonomia. Porque a autarquia local tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
 
DW África: Acha que é com base neste fundamento legal que a RENAMO vai negociar com o Governo da FRELIMO?
GC: A minha opinião é pública e creio que os negociadores da RENAMO estão atentos a ela. Não posso impedir que eles a utilizem no diálogo. Para mim seria até uma boa solução, de compromisso, para a solução de uma tensão político-militar bastante aguda.
Também defendi a ideia da técnica legislativa da "lei experimental". Ou seja, pode-se experimentar este modelo apenas em algumas províncias durante um determinado período de tempo – entre três a cinco anos, por exemplo. Depois se avaliaria se o novo modelo de gestão, uma autarquia local de nível provincial, é ou não sustentável, ou se é preciso fazer correções. No termo desta experimentação, o Parlamento poderia estender este modelo a todas as províncias do país.

DW África: A RENAMO terá suficiente preparo legal para poder jogar com este fator? Por exemplo, aquando das revindicações relativamente a irregularidades eleitorais, o partido não soube agir devidamente, algo que o prejudicou…
GC: Penso que a RENAMO deve preparar um projeto mais consistente. Porque esta questão da autonomia levantará problemas relativamente às competências ou financiamento das províncias, por exemplo. Se uma província tiver um orçamento próprio será preciso criar receitas ou transferir receitas do Estado… Será também preciso definir o relacionamento entre o atual governador e esta nova entidade, além do relacionamento entre as autarquias locais, de nível municipal, e a província.
 A RENAMO deve estar preparada, do ponto de vista técnico, para este leque de problemas. O partido terá de demonstrar a sustentabilidade do seu projeto. Os assessores da RENAMO deviam ter em conta esses aspetos para convencer o Governo – se o projeto fica "no ar" é claro que o executivo não avançará com isso.

DW África: O que significaria a efetivação de uma governação provincial autónoma para o sistema de governação de uma maneira geral?
GC: Significaria criar uma nova entidade jurídica, com uma autonomia organizativa e financeira, significaria também ter uma política específica ao nível provincial e uma gestão patrimonial autónoma. Esta visão de autonomização será um salto qualitativo muito importante em termos de democracia local. As populações vão eleger pessoas que vão gerir a província e vão poder fiscalizar [mais de perto] a aplicação do programa eleitoral.
Mas tudo isto não significa o desaparecimento do governador. É claro que, com a implementação desta figura da autarquia local de nível provincial, os governadores perderiam muitos poderes. Nesta nova conjuntura de democracia local eles só iriam controlar os atos praticados pela nova autarquia, que é a província.

Pode ouvir aqui a entrevista:  http://www.dw.de/constitui%C3%A7%C3%A3o-mo%C3%A7ambicana-possibilita-prov%C3%ADncias-aut%C3%B3nomas/a-18230646

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Dhlakama já garantiu que não começa a campanha eleitoral no domingo


Afonso Dhlakama não inicia a campanha eleitoral no próximo domingo dia 31 de agosto, primeiro dia da caça ao voto com vista as eleições de 15 de outubro próximo. O líder do maior partido da oposição em Moçambique está a espera que, primeiro, o Acordo do fim das hostilidades assinando entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO seja ratificado pelo Parlamento e promulgado pelo Presidente da República, Armando Guebuza. Dhlakama quer primeiro que o documento ganhe o peso de lei. Entrevistei-o para a DW África sobre o acordo e outras questões a volta.




Nádia Issufo (NI): Quando é que sairá do chamado “lugar incerto” onde se encontra, para o convívio com todos os moçambicanos?

Afonso Dhlakama (AD): Não estou num lugar incerto, porque tenho comunicação com os moçambicanos, de Rovuma a Maputo, tenho falado com eles. Estou no distrito da Gorongosa, à espera que os documentos que foram assinados em Maputo sejam transformados em leis pela Assembleia, promulgados pelo Presidente e publicados em Diário da República. Isto é muito importante, não só para mim, mas também para os observadores internacionais e peritos militares. Esta é uma das garantias que eu espero. Não tenho medo de ser assassinado, mas estou a dirigir um partido que diz “pai, não vale a pena, é melhor que as coisas estejam bem”. Acredito que isto acontecerá em breve. Posto isto, não vou poder iniciar a campanha eleitoral no domingo, mas poderei entrar em contacto telefónico, cumprimentar as populações em várias províncias já no dia 31 deste mês.

NI: Acha que este acordo não será promulgado antes do início da campanha eleitoral?

AD: Penso que não, porque a campanha começa no domingo. Se existir boa vontade por parte do Governo para convocar uma sessão extraordinária da Assembleia dentro destes dias, sim, porque basta os deputados e as comissões fazerem as suas análises e aprovarem e o Presidente da República pode promulgar e mandar publicar. No entanto, como a campanha começa já no domingo, penso que não vai acontecer. Talvez aconteça na segunda ou na terça-feira.

NI: Este acordo inspira-lhe confiança?

AD: Nós estamos a fazer um esforço para mudar tudo aquilo que inquietava os moçambicanos, que não lhes dava esperança. Estamos a tentar construir uma República sólida, estável, para os moçambicanos e para os parceiros internacionais. Quando exigimos que os documentos entrem na Assembleia da República e sejam promulgados, queremos que eles sejam leis e ofereçam garantias a moçambicanos e estrangeiros. África está assolada de guerra por falta de entendimento e democracia. Eu, em nome do povo e do meu partido, quero que Moçambique venha a ser um país exemplar. Esta é a minha ambição.

NI: Fora a questão legal, o nível de confiança entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO ainda é muito baixo. Porquê?

AD: Por causa da história. Fizemos a Guerra dos 16 anos. Tudo isto que estamos a tentar remendar é algo que foi assinado em uutubro de 1992 em Roma. Mas faltou o cumprimento dos protocolos por parte do Executivo: o exército único e apartidário, eleições livres e transparentes, direitos humanos. Um ano depois, a FRELIMO esqueceu tudo. Não posso esconder: tenho prudência, agora, porque são os mesmos que assinaram o acordo de Roma. Mesmo a população e os estrangeiros observam com uma certa calma. Lembramo-nos da experiência amarga.



 NI: Agrada-lhe a ideia de um encontro simbólico com o Presidente Armando Guebuza em Maputo?

AD: Penso que este encontro é muito importante, em qualquer parte. Sei que Maputo é onde está o corpo diplomático, é a cidade da imprensa nacional e internacional, é a capital. Por isso, muita gente pensa que o encontro deve ser lá. Não é porque Guebuza mora lá, nem eu estou a ser convidado para a casa do Presidente. Nem eu o posso puxar para a minha casa. No âmbito do impacto, penso que faz sentido ser em Maputo. Mas o vai e vem nas questões da segurança, esta demora, é o próprio Governo que está a atrasar tudo isto. Se o acordo tivesse sido promulgado no dia seguinte, talvez já tivéssemos tido esse encontro. Só exijo garantias de segurança, não quero complicar a situação. Este encontro não é para negociar. É para nos olharmos nos olhos, engolirmos o rancor, esquecermos o passado e transmitirmos confiança à população e aos investidores. Ninguém sabe o que vai acontecer a 15 de Outubro, a RENAMO até pode vencer as eleições e é preciso que Armando Guebuza saiba que não vai ser perseguido. Eu posso vir a ser o Presidente da República e tenho de dizer que vamos governar com reconciliação e justiça. Gostaria que o encontro acontecesse antes mesmo do início da campanha.

NI: Analistas consideram que, ao convidá-lo para o diálogo, o Presidente e o seu partido estão a tentar projectar-se numa altura de eleições e que a sua recusa em deixar o local onde se encontra também é uma estratégia semelhante, de não deixar todo o protagonismo todo nas mãos de Armando Guebuza. Concorda com esta análise?

 AD: Não concordo. As pessoas têm que entender: houve uma guerra. Embora não se queira dramatizar, morreram milhares de tropas governamentais e agentes da polícia de intervenção rápida. Também registámos alguns mortos e feridos e isto deixou o povo assustado. Isto não pode ser levado como uma brincadeira, como algo emocional. É preciso entender que se trata de uma situação de segurança. A minha única estratégia é sair de onde estou de forma segura, com a convicção de que não vou cair numa emboscada e de que a FRELIMO promulgou os documentos. Eu ia ser morto a 21 de Outubro: Armando Guebuza mandou um contingente bombardear para me matar e, se não morri, foi porque não apanhei um tiro. Não me vou esquecer disso só porque há campanha, diplomatas e analistas.

NI: Recentemente, a imprensa noticiou que Afonso Dhlakama estaria doente. Como está agora de saúde?

AD: Nunca estive doente (risos). Esta é que é a propaganda da FRELIMO, sempre a noticiar que eu estava em Lisboa, na África do Sul, no Quénia, que me escondi depois do ataque porque andava de cadeira de rodas. E eu não sei porque é que fazem esta propaganda. Talvez porque sou importante.

NI: Em Moçambique, a sociedade civil queixa-se de não ter sido incluída na discussão que culminou com o acordo para o fim das hostilidades e, por isso, receia que o acordo venha a ser mal sucedido. Como é que vê esta reclamação?

AD: Respeito muito a sociedade civil, conheço a sociedade de Moçambique, que tem vindo a crescer nos últimos anos. O problema era entre o Governo e a RENAMO, mas quero crer que a sociedade civil esteve representada, através de mediadores e intelectuais. Alguns são bispos, outros académicos e doutores. Acho que estes intelectuais são todos independentes e fazem parte de organizações da sociedade civil. Não se trata de 50 ou 60 pessoas que tinham que estar no Centro de Conferências Joaquim Chissano. Quero acreditar que a sociedade civil foi incluída através destas pessoas.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/renamo-n%C3%A3o-inicia-campanha-sem-que-acordo-de-paz-seja-lei-em-mo%C3%A7ambique/a-17886853

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Política e economia trazem Oldemiro Balói a Alemanha


O ministro moçambicano dos Negócios Estrangeiros está na Alemanha desde segunda-feira. Até quarta-feira, altura em que termina a viagem, os interesses económicos dominarão a agenda de Oldemiro Balói. De acordo com o chefe da diplomacia moçambicana, a nível político os laços estão bem consolidados, e agora é preciso também elevar as relações económicas para o mesmo nível. De lembrar ainda que pouco antes desta visita, a Alemanha anunciou que não irá apoiar o OGE de Moçambique deste ano, por estar insatisfeita com os avanços na luta contra a corrupção e falta de transparência. Mas na primeira pessoa Oldemiro Baloi conta-nos o que o trouxe aqui:

DW África: O que é que o trouxe à Alemanha?

Oldemiro Baloi (OB): O reforço das relações de amizade e cooperação, a preocupação comum em ver as relações económicas a aproximarem-se o máximo possível do nível de relações políticas, a consolidação das condições políticas já existentes e o diálogo com os empresários, no sentido de os mobilizar para investir em Moçambique.

DW África: Segundo o programa do Governo moçambicano, as suas visitas foram basicamente de carácter económico e comercial. São esses aspectos que norteiam portanto também esta viagem?

OB: Tem um duplo carácter. O primeiro objetivo é de natureza política, pois vim retribuir a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha feita em 2009. Mas o programa tem duas componentes, a política, que é de sempre, e a económica que estamos a procurar desenvolver. Visitei duas empresas, visitei uma organização que trabalha em Moçambique, a Friedrich-Ebert-Stiftung, e depois tive encontros com todo o gabinete da chanceler, com o ministro dos Negócios Estrangeiros e amanhã (18.06) terei uma reunião com o ministro da Cooperação e Desenvolvimento. Portanto, são as duas faces da mesma moeda, a política e a economia.

DW África: Nos últimos tempos, assiste-se ao estreitamento de relações entre os dois países. É capaz de citar alguns exemplos concretos desses contactos?

OB:
A cooperação com a Alemanha cobre fundamentalmente quatro áreas: o apoio ao Orçamento, à educação, ao sector privado e à descentralização, no sentido de promover o desenvolvimento rural.
Ao nível do investimento, temos grandes empresas alemãs a trabalharem em Moçambique, através de seminários empresariais que têm tido lugar quer em Berlim, mas principalmente na Baviera, em que temos conseguido despertar o interesse dos empresários alemães. Quarta-feira (18.06) haverá, por exemplo, um seminário. Faz parte da minha comitiva o diretor-geral adjunto do Centro de Promoção de Investimentos de Moçambique. Ainda na quarta-feira haverá mais uma interação para atualizar a informação que os empresários alemães tenham sobre Moçambique e tentar explorar mais ainda o enorme potencial que existe a nível de investimento.

DW África: No que diz respeito ao apoio ao Orçamento de Estado, a imprensa moçambicana anunciou, recentemente, que a Alemanha não irá apoiar o Orçamento de Estado em 2015. Este é um dos temas que traz para esta viagem?

OB:
Sim. O que me traz a esta viagem é um quadro global, aplaudindo e agradecendo o que de bom tem acontecido e procurando resolver assuntos cuja evolução não tenha sido muito feliz. Em relação ao apoio ao Orçamento, a Alemanha não terá apoiado este ano mas deverá apoiar em 2015 [para o ano seguinte]. Eu passei essa mensagem em todos os encontros de natureza política que tive e não tive qualquer reação negativa. Aliás, pelo contrário. Devo dizer que fiquei algo surpreendido com a abertura, o apoio, a simpatia com que Moçambique é visto aqui, que nem sempre é o que transpira em Moçambique. Portanto, a surpresa está na intensidade desta relação. Alguns [parceiros] evidenciam mais um ou outro aspecto negativo numa avaliação global que é francamente positiva.

DW África: À semelhança da Alemanha, também o Reino Unido anunciou que não está satisfeito com a prestação moçambicana em termos de gestão das ajudas. O que é que responderia à comunidade internacional quando se fala e fica comprovada alguma má gestão além de casos de corrupção que são imputados aos mais altos escalões da gestão em Moçambique?

OB:
Eu penso que há uma generalização precipitada. A gestão da ajuda por parte de Moçambique tem sido aplaudida internacionalmente. Surgiram recentemente dois casos que não terão agradado à comunidade internacional, e vai daí que tem havido críticas em relação à atuação do Governo.
 O diálogo para a busca de esclarecimentos para esses factos continua. Mas as pessoas já tiraram conclusões, já fizeram posicionamentos. Agora, manda a verdade dizer, nem sempre estes recuos e a suspensão da ajuda, nalguns casos, tem a ver com a penalização a Moçambique. Também tem a ver com dificuldades internas. Mas é mais cómodo imputar responsabilidades a Moçambique. Recentemente realizou-se a reunião de Moçambique com os países de apoio programático, que inclui o apoio ao orçamento de Estado. E os parceiros, de um modo geral, manifestaram satisação pela performance de Moçambique e prometeram financiar o país com 500 milhões de dólares – melhor evidência que esta não pode haver.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/chefe-da-diplomacia-de-mo%C3%A7ambique-est%C3%A1-na-alemanha-para-refor%C3%A7ar-la%C3%A7os-econ%C3%B3micos/a-17716011

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Afonso Dhlakama reaparece e repisa as mesmas posições

Em exclusivo para a DW África, o líder da RENAMO falou sobre o conflito político-militar em Moçambique. Afonso Dhlakama garantiu que a segunda maior força da oposição tem muito interesse em acabar com os confrontos militares e acredita que as eleições gerais de outubro próximo irão, de facto, acontencer. Dhlakama, entretanto, deixa claro que o Governo da FRELIMO deve também colaborar. Neste momento, por exemplo, está em cima da mesa de negociações entre as partes a composição do exército nacional e o desarmamento da RENAMO, considerado um dos pontos mais críticos do diálogo.  E a conversa começou por aqui...




Foto: Ismael Miquidade

Nádia Issufo (NI): Como caracterizaria a atual fase negocial em termos de dificuldades?

Afonso Dhlakama (AD): Eu penso que é a falta de boa vontade por parte do Governo moçambicano, ou por parte da liderança da FRELIMO. Lembra-se que o próprio atual Presidente da República, Armando Guebuza, foi o chefe negociador por parte da FRELIMO. Ele conhece muito bem os protocolos que foram assinados em Roma e o Acordo Geral [de Paz], assinado também em Roma, em 4 de outubro de 1992.
Só que quer ele, assim como o outro Presidente - o já reformado [Joaquim] Chissano – foram infelizes, não quiseram cumprir com aquilo que eles rubricaram em Roma, na presença da comunidade internacional, testemunhado o acordo pelas Nações Unidas. Chegaram a enviar, as Nações Unidas, capacetes azuis para supervisionar o cessar-fogo que foi um sucesso e faltou o cumprimento.
Então, isso que estamos a negociar, nem deveríamos estar a negociar - porque apenas estamos a recordar à FRELIMO que vamos implementar o acordo sobre a política de defesa e segurança em Moçambique, para evitarmos que tenhamos o exemplo, não podemos seguir Guiné-Bissau onde os políticos usam os militares a golpearem, isso porque as coisas não foram bem tratadas.
É exatamente que eu estou a bater com o pé. Eu não quero ser obrigado a criar o meu exército, o Guebuza também ter o seu exército. Queremos um exército apartidário, profissional, técnico, em que os comandantes são nomeados pela confiança técnica profissional. Não podemos meter políticos dentro do exército.

gora, sabemos que é o exército nacional, receberam ordens do Presidente da República para atacar o líder da oposição. Por quê? Porque essas coisas não estão definidas. Essas tropas estão como força, o exército pessoal do partido FRELIMO. É isso. Queremos acabar com a partidarização das instituições do Estado.

NI: Confirma que, depois dos acordos de paz em 1992, a composição das Forças Armadas de Moçambique deveria ser de 50% para cada lado - ou seja, 50% do Governo da FRELIMO e 50% da RENAMO?

AD: Exatamente! Está escrito no Acordo Geral de Paz. Não é uma invenção, 50% de cada lado. Só que em 1994, depois das primeiras eleições, o Presidente, na altura o Chissano, disse que não havia dinheiro suficiente para fazermos uma coisa dessas. E mais, seriam 30 mil homens, dos quais 15 mil da RENAMO e 15 mil da FRELIMO, escrito no acordo, assinado por mim e por ele, o Joaquim Chissano.
Mas depois das eleições de 1994, disse que não havia dinheiro. Mas havia dinheiro, só que não queria este exército, onde os [homens] da RENAMO haviam de entrar, porque em seguida criou um outro exército partidário da FRELIMO, chamado Força de Intervenção Rápida [FIR], que até hoje é um instrumento repressivo contra a população inocente. E também agora já estamos a exigir que a RENAMO deve ter 50% desta Força de Intervenção Rápida, porque é uma força praticamente FRELIMO.


 Foto:  FM

NI: Sr. Afonso Dhlakama, durante esta tensão político-militar entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, que já dura muito tempo, tem havido mortes e derramamento de sangue, o que preocupa todos os moçambicanos. O que é necessário para acelerar o fim desta situação?
AD: É o acordo. Já demonstrei boa fé. Neste momento em que estamos a conversar, há a tregua que a RENAMO deu, fez unilateralmente há três semanas. As Forças Armadas passavam muito mal aqui, portanto, não conseguiam transitar de uma posição para outra na distribuição de alimentação. Mas, eu senti pena e dei trégua, isto é, mande cessar o fogo em todo o distrito da Gorongosa. Isto é o coração de um líder que quer a paz. Mesmo quando começaram a complicar sobre o meu recenseamento, dei trégua também numa zona chamada Muxúnguè, no troço entre o rio Save e Muxúnguè.
Desde a quarta-feira da semana passada (07.05.14), parecia mentira, tudo está parado do Ruvuma ao Maputo. Mas eles sempre que vão provocar. A RENAMO limita-se em responder. Só que, quando lamentam, dão a entender como se a RENAMO estivesse a provocar. Não, a RENAMO quer a paz.
Se perguntar hoje, que falou com o Dhlakama e ele disse que está tudo calmo, porque com a sua iniciativa deu trégua, mandou cessar-fogo, todo mundo vai confirmar. Portanto, esta boa vontade que tenho tentado demonstrar, não em termos de propaganda, mas sim no sentido do Estado, como chefe da família, não encontro a correspondência do outro lado. É por isso que sempre tem havido um conflito a prolongar e a manchar a imagem do país, até a afugentar pessoas estrangeiras que deveriam estar a entrar e a investir.


NI: As negociações arrastam-se há muito tempo, o que pode pôr em causa o calendário eleitoral que tem em vista já as eleições gerais a 15 de outubro próximo. Acha que as negociações serão concluídas de forma positiva antes das eleições?

AD: Eu acredito. Acredito porque, apesar de tudo, os da FRELIMO também são moçambicanos. Conversamos, somos irmãos, somos primos. Há diferença das ideologias. Por exemplo, eu sou da família da direita, o meu partido é de centro-direita. A FRELIMO é da esquerda, embora já fala do socialismo, entre aspas, mas é da família esquerda. Acredito que dentro da FRELIMO há gente de boa vontade, que também estão a fazer pressão ao líder, que é o Guebuza, para que as coisas corram mais rápido – porque de facto, como estava a dizer a sra. Jornalista, as eleições estão marcadas para o dia 15 de outubro.

15 de outubro já está quase. É preciso pré-campanha, é preciso mandar fabricar o material. O país pobre, os partidos precisam de facto de arrajar financiamento etc. Mas do meu lado, como eu disse que mandei cessar-fogo, eu já não queria ser obrigado a voltar a disparar mais. Seria uma experiência para aproveitarmos, passaria a ser um dado adquirido. Era a questão do outro lado corresponder. Porque, de facto, o quê faltou? É preciso desenharmos a estratégia ou a política de defesa e segurança. Que tipo de exército precisamos?
Portanto, logo que houver ou entendimento sobre a política de defesa e segurança e rubrificarmos, até pode ser aproveitado nesta semana, eu e o Guebuza sentarmos num sítio qualquer e fazermos o acordo e cessarmos fogo. Eu, portanto, gostaria de facto que cessássemos fogo de vez, mas cessar-fogo com garantias de que não haverá nenhum dos lados que irá retomar para desestabilizar o país. Cessar o fogo com base num acordo apadrinhado, testemunhado por alguns países importantes garantes da paz no mundo.


 Foto: Ismael Miquidade

Escute a entrevista aqui:  http://www.dw.de/gostaria-de-facto-que-cess%C3%A1ssemos-fogo-de-vez-diz-afonso-dhlakama/a-17635258

terça-feira, 6 de maio de 2014

Fotografia de Mário Macilau espelha interligação de emoções

Mário Macilau é hoje o sinónimo de fotografia em Moçambique. Mas o seu nome brilha mais no estrangeiro onde roda as galerias e exposições bem conceituadas. Já foi premiados vária vezes e quase não pára na sua terra natal, onde também tem exposto. Os seus retratos tem uma inconfundível marca, e espelham emoções profiundas que o fotógrafo diz serem o resultado também de uma troca de emoções. A sua origem humilde torna o seu talento e a sua pessoa singulares. Define-se com autodidata, e considera que a paixão é a razão de tão bom trabalho. Mas isso Macilau só descobriu depois de um desencontro com os seus sonhos de infância. Entrevistei o fotógrafo para a DW África:



Foto: Mário Macilau


Nádia Issufo (NI): A fotografia foi algo inesperado no seu destino?

Mário Macilau (MM): Sou autodidacta, o quer dizer que aprendi a fotografar tudo sozinho. Mas através de pequenas experiências que fui tendo ao longo do tempo.

NI: Sabemos que nos tempos que correm a técnica é muito importante para qualquer profissão. Sente nalgum momento a falta dessa técnica? Acha que isso o prejudica de alguma maneira?

MM: Não, acho que é ao contrário. Porque sou autodidacta e, sendo assim, sou de opinião que não se ensina a ninguém a ser artista. Primeiro, existem certos elementos que são importantes. É acima de tudo a questão de se fazer ou de praticar o que se faz com alma. As coisas devem vir mesmo do coração e tem que haver uma paixão para tal. Então, eu não posso ir à faculdade ou a qualquer escola de arte ou de fotografia para aprender a ter paixão naquilo que quero fazer.

  NI: Sabe que o seu historial de vida torna o seu trabalho, a sua arte, o seu talento muito mais interessante. Sabemos que de vendedor de rua, batalhador pela sobrevivência, passou a fotógrafo conceituado internacionalmente. Durante esse percurso difícil teve obviamente um sonho de vida, que não era ser fotógrafo, como já disse. O que é que queria ser?

MM: Imaginei várias vezes o meu futuro. Antes queria ser jornalista, depois queria ser motorista, depois segurança, depois queria ser traficante! Então, foram sempre essas ‘imaginações’ que tive como sonho.

NI: E em que momento sonhou ser traficante? Nalgum momento de desespero?

MM: Não, não tinha nada a ver com desespero pessoal. Tinha a ver com a forma como eu via o mundo. E, na verdade, eu queria ser traficante ou ladrão mais para ter dinheiro para poder ajudar os pobres.

  
Foto: Mário Macilau

NI: Uma espécie de Robin dos Bosques ou, no caso, de “Robin da Cidade”…
MM: Sim. (risos) Exatamente!

NI: E a sua família naturalmente não o apoiou nessa ideia.

MM: Exato. Não apoiaram.

 NI: Sei que a sua família respeita o seu amor pela fotografia, mas também sei que não o compreende. Por que motivo?

MM: Neste caso estamos a falar de classes. Eu venho de uma família de classe baixa. Quando comecei a fotografar não sabia e não entendia nada sobre arte e nem sabia o que estava a fazer. Comecei a fotografar há 15 anos atrás. Tinha 15 anos quando descobri essa minha paixão pela fotografia. Comecei a fotografar apenas por paixão, porque sentia prazer, porque gostava, mas não sabia o que estava a fazer.


NI: Disse que vem de uma família pobre. E uma máquina fotográfica custa caro. Como foi conseguir a primeira máquina?

MM: Consegui a primeira máquina fotográfica porque era o mais velho na minha família. A minha mãe tinha um telemóvel, que estava sob a minha responsabilidade, e daí apareceu alguém com uma máquina fotográfica para vender. Mas eu não podia comprar essa máquina. Então fiz a proposta de trocar o telemóvel pela máquina fotográfica. A pessoa nem pensou duas vezes e fizemos o negócio.

NI: O que é que mais gosta de fotografar?

MM: A minha fotografia é documental. Trabalho mais com as pessoas e com as histórias ligadas ao dia-a-dia da nossa sociedade, com a forma como as pessoas vivem e como se relacionam. Trabalho também com questões ambientais, património cultural. É a área em que tenho trabalhado mais.


NI: Gosta de fotografar apenas pessoas e situações referentes a Moçambique ou tudo o que achar interessante que aconteça no exterior?

MM: A minha fotografia não tem fronteiras. Mas é claro que a fotografia documental depende do tempo e do assunto em causa.

NI: Como é fotografar, ou melhor, mostrar e registar as emoções das pessoas, sentir a emoção, o clima, o ambiente? Como é que consegue fazer isso?

Foto: Mário Macilau


MM: Não é algo assim tão complicado, mas as pessoas devem aprender a fotografar não simplesmente com a câmara. Tem de haver uma interligação de emoções. Quando se faz um trabalho com emoção, o trabalho também sai bem. Quando estou a fotografar, não é simplesmente uma forma de tirar algo das pessoas. Também tenho que dar a minha emoção para poder tirar a emoção das pessoas e colocar as duas emoções numa imagem. Faço a fotografia com todo o meu amor e carinho e daí consigo também ter a fotografia com esse tipo de sentimentos.

NI: A maior parte das suas fotografias é a preto e branco. Porquê?

MM: Para mim, a fotografia a preto e branco representa o nascimento da fotografia. E, para além disso, existe algo que para mim é muito importante: a fotografia a preto e branco é mais persistente em relação à fotografia a cores. É mais poética e persiste muito. Pode ver-se a mesma fotografia durante anos sem ficar cansado. E uma fotografia a cores é menos dramática. Tem uma força muito grande, mas apenas nos primeiros momentos.

Escute a entrevista aqui: http://www.dw.de/m%C3%A1rio-macilau-sin%C3%B3nimo-de-fotografia-em-mo%C3%A7ambique/a-17613993

quarta-feira, 2 de abril de 2014

As dissiminações do Contraditório

Em África a Bíblia, a cultura e os comportamentos super-machistas são as armas mais usadas para legitimar o combate aos homossexuais. Embora no continente africano algumas vozes se vão erguendo exigindo respeito a estes, as vozes mais altas e o incentivo a proteção chegam da Europa. Mas pergunto só, por exemplo, quem levou a Bíblia para África? Portanto, não fico nada comovida com os esforços dos europeus para contradizer o livro sagrado. Ele parou no tempo? Está desatualizado? Precisa de um "refresh"? Óptimo, prossigam o trabalho, ou seja, desacreditem a Bíblia, o que hoje vos pode custar sangue, tal como custou aos africanos durante a "envangelização"

Não há concentração no alvo
Mas o absurdo deste processo de esclarecimento sobre as liberdades sexuais é ver que em jeito de defesa alguns defensores estão mais preocupados em comprovar que a homossexualidade não foi levada para África pelos europeus, mas que isso já existia, embora camuflada, em várias sociedades. Ou seja, é uma energia gasta no sentido errado, afinal não é o esclarecimento sobre as liberdades sexuais dos indoviduos que está em causa? E se os bodes espiatórios são chamados ao campo de batalha porque preferem não "ver" a Bíblia?

Porque caminhar ao mesmo passo? 
Mas outra questão surge, será que mais uma "lavagem cerebral" é justa e legítima? Obrigar o mundo a andar ao mesmo ritimo e querer derrubar a essência enraizada na cultura dos indivíduos a uma golpada só, é muita prepotência. O Ocidente defende cada vez mais o respeito pelas liberadades. Será que com base nesse príncipio a cultura alheia, crenças e hábitos estão excluídos? Porque não respeitar a forma de ser da maioria dos africanos? Isso mostra que a mentalidade do "outro" ainda é algo a combater.

Legislação, o ponto chave 
Criar uma legislação que defenda os homessexuais de qualquer tipo de agressão é mais do que humano e urgente. Por isso sensibilizar também é urgente, mas não é válida a frase "faz o que eu digo e não o que eu faço." Como um país como os Estados Unidos da América, que permanentemente dá lições de liberadade e democracia ao mundo, tem nalguns Estados políticas de governação que excluem homossexuais? Sob o ponto de vista do conservadorismo religioso, que limita as liberdades sexuais, onde está ele concentrado? Onde tem ele um poder político e decisório muito grande? Não é de certeza em África.

Existem "Khossas" em São Tomé e Príncipe?

Todos os meus conhecidos de São Tomé e Príncipe tem nome de branco, para ser mais clara de branco português: Edlena Barros, Ramusel Graça, João Carlos, e por ai fora. Antes de os conhecer, fisicamente, quando ouvi os seus nomes pela primeira vez pensei, bem, devem ter algum vestígio de brancos ou até serem. Vá lá, não digam que não fazem esse tipo de associações preconceituosas e erradas. Pelo menos eu já confessei... Para o meu espanto, e punição de raciocínio, apenas um tem sangue português. E ao longo de quase 6 anos de observação perguntei a um deles porque os são-tomenses só tem nome de brancos, mas não obtive resposta. Fui insistindo com alguns, mas nada. Será que a falta de resposta está na colocação da pergunta? Melhor é perguntar se existem nomes originalmente são-tomenses...
Até que "um mais velho" do país confirmou a minha constatação e explicou-me a origem da situação. Em jeito de brincadeira, mas falando a verdade, disse-me: "fomos achados, é isso." Na explicação dele os portugueses foram atribuindo nomes aos autóctones a seu bel prazer. O mais velho conta que os colonos punham nomes aos seus futuros trabalhadores nas roças de cacau e café, as criança eram baptizadas segundo determinação do patrão. 
Por outro lado, os são-tomenses queriam sentir-se portugueses, na opinião do mais velho eles eram aculturados, tanto é que proibiam as suas crianças de falarem as línguas locais. 

Identidade aniquilada?
Em África o nome muitas vezes está associado a identidade, a origem, a linhagem. Por exemplo, em Moçambique os Matolas pertencem a linhagem ou clã com o mesmo nome provenientes da região da Matola, os Pfumos, ou Fumos, (na versão "aportuguesada") são de Maputo, os khossas de Gaza, etc. Esta realidade é que aumentou a minha curiosidade em relação aos são-tomenses, será que não existiram clãs ou grupos étnicos em STP? A resposta do mais velho não foi conclusiva, mas disse-me que existem os angolares, de origem Bantu, e os Forros, mas que todos se deixaram "perder". 

A relação colonos-são-tomenses é muito semelhante a relação colonos-moçambicanos, mas em Moçambique encontramos António Mondlane, o primeiro nome português e o segundo moçambicano, Maria Pachinuapa, o primeiro português e o segundo moçambicano, e por ai a fora. Tal como encontramos Alfinete Sabonete ou Máquina Sabão, e diz-se também que a culpa é dos portugueses....

Foi o facto de pertencer a uma lugar onde a miscigenação de nomes predomina que me deixa com dúvidas. Talvez possamos acabar com o assunto e considerar João, António, Edlena e Ramusel também como nomes moçambicanos e são-tomenses, tal como o Português também já é nossa língua. Mas não era isso que pretendia questionar. 

Cabo Verde, os filhos...
Uma amiga moçambicana que estudou em Portugal dizia-me em jeito de desabafo e de piada: "Dos PALOP o único filho de Portugal é Cabo Verde, o resto são enteados." Riamo-nos, mas entendo a "preferência". Há uma lenda, ou história, que justifica isso, segundo a minha professora de Literaturas Africanas Comparadas, Deus fez o mundo e quando terminou sacudiu os dedos e o barro salpicou formando as 10 Ilhas que compõem o Arquipélago, e assim surgiu Cabo Verde, país desabitado. Já os factos reais mostram que os portugueses completaram o trabalho de Deus levando para lá judeus indesejados na Europa, depois que fizeram das ilhas um entreposto de escravos trazidos do costa africana, principalmente do Senegal. Com a colonização então a "mistura" registou um boom. Por isso também se diz que em termos de identidade africana dos PALOP Cabo Verde é o que menos a tem. Por isso nunca me espantei com os seus nomes. Mas são Tomé e Príncipe? Bem, acho que um estudo aprofundado poderá fazer-me mudar de ideias, até lá fica aqui a minha observação e escasso conhecimento.